sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ai, ai...

Todo mundo tem alguma história não encerrada no passado. Quase sempre histórias de amor. Aquela amiguinha da escola que não te largava na hora do recreio, ou a colega da faculdade que sempre queria estar no mesmo grupo de estudos que o seu, ou ainda aquela menina da rua que sempre que você passava perguntava se não queria entrar pra tomar um café ou várias outras que surgem ao longo das nossas vidas e não sabemos como lidar com a situação.

Todas as noites, já na cama ao lado da esposa, antes de fechar os olhos, Pedro dava um beijo na testa de Beatriz e dizia:

- Ai, ai!

Virava e dormia.

Até que um dia, quando estava prestes a completar um ano de casado, Pedro confessou.

- Bia, senta aqui. Quero conversar algo sério com você!

- O que foi, meu bem?

- Você sabe que eu sou completamente apaixonado por você e que encontrei em ti o porto seguro da minha embarcação que andava meio perdida.

- Sim, sei. Ou melhor, acho que sei, né? Que conversa é essa agora?

- Quero passar o resto da minha vida contigo, mas...

- Mas o que, Pedro?

- Preciso de um final de semana pra resolver um problema.

- Que problema?

- Esse é outro problema. Você não pode saber o problema que tenho pra resolver.

- Como assim?

- Tem uma história do meu passado que não terminou. Preciso transformar as reticências em  um ponto final e não mais deixar essa interrogação na minha vida, entende?

- Não, não entendo!

- Você me ama?

- Muito.

- Pois confie em mim. Amanhã saio de casa e volto ainda no domingo pra jantarmos.

- Como assim?

- Eu preciso disso. E mais: você vai me prometer que nunca, mas nunca mesmo, vai perguntar algo sobre esse final de semana. Preciso disso para continuarmos juntos.

- Mas Pedro, eu não estou entendendo mais nada.

- Te juro. Um final de semana em troca de uma vida toda. Só o que estou pedindo.

No dia seguinte, Pedro arrumou uma pequena mochila, deu um beijo na bochecha de Beatriz e disse:

- Até domingo!

A porta se fechava, mas antes que ela cerrasse um turbilhão de dúvidas entrava na cabeça de Beatriz. Afinal que história no passado era essa? Era alguém que não foi pra igreja no dia do casamento e não se manifestou na hora do “cale-se para sempre”? Uma amiga da escola? Da faculdade? Hum... Tinha aquela secretária do trabalho que ele sempre elogiava, mas essa não. Aquela não merecia nem cinco minutos, imagine então um fim de semana.

E foi assim todo aquele fim de semana. Bia ainda pensou em ligar para o telefone de Pedro, mas antes que o pensamento virasse ação ela percebera que ele deixara o telefone desligado sobre o criado-mudo que ficava ao lado da cama.

A melhor coisa era sair, desopilar e não pensar onde Pedro estava. Um cinema com as amigas era uma boa opção.

- Você me chamando pra ir ao cinema? Que milagre é esse? Você e o Pedro não se largam um instante. Ele vai também? – perguntou Ana, melhor amiga de Beatriz.

- Desta vez ele não vai.

- Por quê?

- Viajou.

- Viajou pra onde?

- Viagem de negócios.

- Hum, amiga. Que tipo de negócio?

- Vai ou não vai ao cinema?

Onde menos a atenção de Beatriz estava era na história que se passava na telona. O que Pedro estaria fazendo? Com quem? E que passado era esse?

- Gostou?

- Do que?

- Do filme, Bia?

- Ah, sim. Gostei muito!

- Pois eu detestei. Eu e a maioria das pessoas. Você entendeu aquela parte do...

- Aninha, vamos ao salão? Desculpa mas não estou muito a fim de conversar hoje.

- Nossa, Bia. Você tá meio grossa mesmo. Tá preocupada com o tal negócio do Pedro?

- Muito!

- Pois me conta o que é.

- É segredo.

- Ah, amiga. Segredo?

- Pois é, Ana. É segredo até pra mim.

Ana preferiu não tocar mais no assunto. O final de semana se arrastava. Cada minuto parecia um século.
Livro, filme, internet, nada adiantava pra distrair Beatriz.

O domingo foi ainda pior, pois ela já não sabia sequer se Pedro iria voltar. E se o passado de repente fosse um tal de “pretérito mais-que-perfeito”? Melhor não pensar.

Já à noite, Beatriz caminhava pela casa desesperada. Meu Deus, e agora?

Quando menos espera, ela escuta o barulho da chave abrindo a porta. Pedro voltava como havia prometido. Sorriso no rosto, um buquê de rosas na mão e uma pizza na outra.

- Marguerita.

- Ah?

- Sua pizza preferida. Sei que não comeu direito esses dias.

- Você que pensa, nem me preocupei. Fui ao cinema com a Ana, cuidei das minhas unhas, cabelo, o tempo passou rapidinho.

- Tá bom, Bia. Acredito em você!

- E lá? Deu tudo certo?

- Sem perguntas, tá?

- Tá bom, então. Não vai me dizer nada?

- Tudo que vem, vem com algum propósito, assim como tudo que vai, vai por uma razão e o que fica é o essencial. E hoje sei que tenho o essencial para viver o resto da minha vida.

Jantaram, riram, assistiram a um filme agarradinhos como se nada tivesse acontecido. Depois, já na cama, Pedro olha pra Beatriz, dá-lhe um prolongado beijo na boca, vira-se pro lado e deita dizendo:

- Boa noite, Bia. Te amo!

Surpresa com a frase, Bia passa a mão nas costas de Pedro, beija a bochecha de seu amado e vira-se pro lado dizendo:

- Ai, ai!