terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Esse daí

O casal só é realmente um casal quando existe um apelido entre eles. Pode ser um simples “amor”, ou um angelical “anjinho”, um saboroso “docinho”, um sem gosto “chuchu” ou mesmo um “tchuchuco”. Não importa, o importante mesmo é ter um codinome. Tanto que o apelido é único. Para Maria o João será sempre o “Zinho”, assim como para ele, ela será sempre a “Zinha”. No dia em quem o João chamar a próxima namorada dele de “Zinha”, vixe. Melhor nem comentar...

É no começo do namoro que eles surgem. Geralmente associados a uma característica física, de comportamento ou mesmo aqueles que colocam nomes de casais históricos do cinema ou da História como apelidos. Eu mesmo conheci um casal que se tratava por “Bê” e “Bi”. Questionei porque eles se chamavas Antônio e ela Rosa.

- É uma referência ao filme “Bernardo e Bianca” que já assistimos várias vezes juntos. – esclareceu o apaixonado Bê.

Mas assim como o apelido marca um relacionamento, ele também pode mostrar que as coisas não estão nada bem. É quando o codinome carinhoso é substituído por um pronome demonstrativo.

- Esse daí? Nem pra acordar cedo e colocar os meninos pra tomar banho é capaz! – sentencia a mulher.

- Aquela acolá? A gente morre de ensinar como ligar a televisão e ela não aprende.

Olha, quando o seu relacionamento tiver atingido esse nível de pronome, comece ficar preocupado. O nome é demonstrativo não à toa, mas para deixar demonstrado que algo não anda nada bem entre o casal.

Ter o seu apelido carinhoso substituído por um pronome demonstrativo é bem pior que ter todo o nome dito pela sua amada, ou ex nesse caso. O importante é sentar e saber em que ponto o pronome de tratamento carinhoso foi transformado em pronome de desdém.

- Rapaz, ontem a minha esposa fez uma lasanha... Delícia!  - comentou Cláudio em uma roda de conversa entre casais.

- Pois essa daqui prefere me ver morto de fome a chegar perto da cozinha.  – Emanuel deixava claro que as coisas não estavam muito bem.

- Morrer de fome? Você? Com tanta reserva nessa barriga vai ser difícil. - ali estava claro que as coisas estavam péssimas entre Emanuel e Josefina.

E foi uma sucessão de reclamação de ambos os lados durante toda a noite. Por mais que Cláudio e Teresa tentassem mudar de assunto era uma “essa daí”, “aquele acolá” a toda hora pra quebrar o clima.

Já em casa, com os nervos a flor da pele, Emanuel e Josefina mal se olhavam. Mas um dos lados sempre está disposto a levantar a bandeira da paz. E lá foi Emanuel:

- Ei!

- Fala logo que eu quero dormir!

- Estou mesmo gordo?

- Demais. Nem suas calças cabem mais.

- Você me ajuda a emagrecer? Seria capaz de fazer uma saladinha pra mim no jantar amanhã?

- Depois de tudo o que você falou de mim lá na casa do Cláudio? Jamais!

- Poxa, Josefina (reparem que já estão se tratando pelo nome). É que vi quando a amiga da Teresa chegou e você disse: “aquilo dormindo no sofá é o meu marido”. Doeu ser considerado quase um objeto. Me senti uma mala velha. Desculpa pelo que eu falei. Não queria te magoar.

- Tá bom, amanhã eu faço tua salada. Mas é pra comer toda, viu?

- Claro, minha florzinha.

- Florzinha? Faz anos que você não me chama assim.

- Pois é, mas hoje eu resolvi chamar, porque tenho saudade do tempo que te cheirava todinha.

- Para com isso, Emanuel.

- Paro nada! Deixa eu dar um cheiro no pescoço.

- Assim não vale.

- Claro que vale. – e cheirou.

- Oh, meu ursão!

E assim, o pronome demonstrativo deu lugar novamente a um pronome de tratamento que só os dois entendiam.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Provas de amor

- Você me ama mesmo?

- Claro, ainda duvida?

- Pois prove!

Provas de amor sempre são complicadas. O amor não é uma ciência, não pode ser medido. Como a pessoa vai provar que está amando realmente? Não dá pra ir a um laboratório, fazer um exame de sangue e o médico comprovar.

- Vejo que o senhor está ligeiramente apaixonado?

- O senhor tem certeza, doutor?

- Sim, claro. Os exames mostram que ainda é bem inicial, nada contagioso.

E todos sabem que quando a gente está verdadeiramente amando, contagiamos todo o ambiente.

- Olha lá, olha lá?

- O quê, Gertrudes?

- Aquele casal se beijando loucamente. Aquilo sim é que é amor.

- Pois vem aqui e me beija!

E são várias as provas de amor que temos de dar ao longo de um relacionamento.

- Amor, nunca ganhei flores suas, sabia?

- Como não? Lembra daquele dia no sinal...

- Que o homem estava vendendo flores pro Dia dos Namorados?

- Isso mesmo! Aquilo era uma flor, não era?

- Uma rosinha muito da mixuruca!

- Mas era!

- Queria mesmo era um buquê, bem, grande, daqueles que a gente nem pode segurar por baixo, tem de abraçar.

- Pra que?

- Seria uma grande prova de amor.

- Que nada. Flores murcham e morrem. O que nunca vai acontecer com o nosso amor.

- Oh, meu tchutchuquinho.  Sempre com uma palavrinha romântica.

Mulheres, principalmente, pedem as tais provas de amor a todo tempo. E não adianta fazer do seu jeito, tem do ser da maneira que ela sempre imaginou que fosse. Se é caixa de bombom, você tem de saber se ela está de dieta. Uma roupa? Pode ter certeza que o homem sempre vai errar o manequim. Um jantar romântico? Tem de saber exatamente o que ela gosta de comer (e quase sempre o homem erra). Uma pelúcia? Será que ela não é alérgica?

O amor não precisa dessas tais provas. Precisa ser vivido, simplesmente. Mas, atenção mulherada, quer uma prova de amor verdadeira de um homem?  Marquem um encontro no dia e horário em que o time dele estiver disputando um jogo decisivo. Se ele abrir mão de uma disputa de pênaltis, acredite, você encontrou o homem que será capaz de tudo para manter aquele relacionamento.

Na dúvida se aquele “fica” viraria “fixo”, Jaqueline propôs um encontro para Humberto, torcedor fanático do América.

- Na Quarta?

- Por quê? Algum problema? Na quarta-feira você não tem aula!

- É que eu já tenho um compromisso.

Ela já sabia que naquele dia e na hora do encontro, o América estaria disputando as oitavas de final do campeonato piauiense da terceira divisão.

- Que compromisso é mais importante que você ficar comigo?

- Pois é, né? Mas é que ... Não é necessária minha presença lá, sabe? Mas eu tenho de dar força pra quem vai estar lá, compreende?

- Ah, o tal compromisso nem seu é? Então me esquece.

- Tá bom, Jaque. Tá bom! Vamos sair na quarta, sim.

Humberto ainda pensou em desmarcar, levar um rádio escondido, subornar um garçom pra ficar trazendo o resultado do jogo em um guardanapo, mas achou melhor não.

Saíram, riram e se divertiram. No local do encontro, nada de TV, pra não atrapalhar. Ao final:

- Muito obrigado, Humberto. Hoje eu sei que realmente você é o homem da minha vida!

- Só hoje?

- Isso, porque sei do que você abriu mão pra estar aqui comigo. Foi a maior prova de amor que já me deu.

- Sabe mesmo, amor? Você não sabe o quanto eu sofri por isso, mas está valendo a pena.

- Mas tenho algo muito sério pra te dizer.

- O que foi agora?

- O jogo foi para os pênaltis.

- Sério? Meu Deus e agora? Como você sabe?

- Pedi ao garçom que ficasse me avisando do placar pelo guardanapo. Terminou empatado em zero a zero. E agora vai para a disputa de penalidades.

- Poxa! Vou perder isso!

- Vem cá! Tenho algo aqui pra você.

- Um fone?

- Vamos acompanhar a disputa de pênaltis pelo rádio aqui, juntinhos.

O América perdeu a disputa. Bitonho, o craque do time, perdeu a última cobrança. Jaqueline e Humberto acompanharam tudo ali, de rosto colado, com a certeza de que não seria necessária mais nenhuma prova de amor para que os dois ficassem juntos.






sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ai, ai...

Todo mundo tem alguma história não encerrada no passado. Quase sempre histórias de amor. Aquela amiguinha da escola que não te largava na hora do recreio, ou a colega da faculdade que sempre queria estar no mesmo grupo de estudos que o seu, ou ainda aquela menina da rua que sempre que você passava perguntava se não queria entrar pra tomar um café ou várias outras que surgem ao longo das nossas vidas e não sabemos como lidar com a situação.

Todas as noites, já na cama ao lado da esposa, antes de fechar os olhos, Pedro dava um beijo na testa de Beatriz e dizia:

- Ai, ai!

Virava e dormia.

Até que um dia, quando estava prestes a completar um ano de casado, Pedro confessou.

- Bia, senta aqui. Quero conversar algo sério com você!

- O que foi, meu bem?

- Você sabe que eu sou completamente apaixonado por você e que encontrei em ti o porto seguro da minha embarcação que andava meio perdida.

- Sim, sei. Ou melhor, acho que sei, né? Que conversa é essa agora?

- Quero passar o resto da minha vida contigo, mas...

- Mas o que, Pedro?

- Preciso de um final de semana pra resolver um problema.

- Que problema?

- Esse é outro problema. Você não pode saber o problema que tenho pra resolver.

- Como assim?

- Tem uma história do meu passado que não terminou. Preciso transformar as reticências em  um ponto final e não mais deixar essa interrogação na minha vida, entende?

- Não, não entendo!

- Você me ama?

- Muito.

- Pois confie em mim. Amanhã saio de casa e volto ainda no domingo pra jantarmos.

- Como assim?

- Eu preciso disso. E mais: você vai me prometer que nunca, mas nunca mesmo, vai perguntar algo sobre esse final de semana. Preciso disso para continuarmos juntos.

- Mas Pedro, eu não estou entendendo mais nada.

- Te juro. Um final de semana em troca de uma vida toda. Só o que estou pedindo.

No dia seguinte, Pedro arrumou uma pequena mochila, deu um beijo na bochecha de Beatriz e disse:

- Até domingo!

A porta se fechava, mas antes que ela cerrasse um turbilhão de dúvidas entrava na cabeça de Beatriz. Afinal que história no passado era essa? Era alguém que não foi pra igreja no dia do casamento e não se manifestou na hora do “cale-se para sempre”? Uma amiga da escola? Da faculdade? Hum... Tinha aquela secretária do trabalho que ele sempre elogiava, mas essa não. Aquela não merecia nem cinco minutos, imagine então um fim de semana.

E foi assim todo aquele fim de semana. Bia ainda pensou em ligar para o telefone de Pedro, mas antes que o pensamento virasse ação ela percebera que ele deixara o telefone desligado sobre o criado-mudo que ficava ao lado da cama.

A melhor coisa era sair, desopilar e não pensar onde Pedro estava. Um cinema com as amigas era uma boa opção.

- Você me chamando pra ir ao cinema? Que milagre é esse? Você e o Pedro não se largam um instante. Ele vai também? – perguntou Ana, melhor amiga de Beatriz.

- Desta vez ele não vai.

- Por quê?

- Viajou.

- Viajou pra onde?

- Viagem de negócios.

- Hum, amiga. Que tipo de negócio?

- Vai ou não vai ao cinema?

Onde menos a atenção de Beatriz estava era na história que se passava na telona. O que Pedro estaria fazendo? Com quem? E que passado era esse?

- Gostou?

- Do que?

- Do filme, Bia?

- Ah, sim. Gostei muito!

- Pois eu detestei. Eu e a maioria das pessoas. Você entendeu aquela parte do...

- Aninha, vamos ao salão? Desculpa mas não estou muito a fim de conversar hoje.

- Nossa, Bia. Você tá meio grossa mesmo. Tá preocupada com o tal negócio do Pedro?

- Muito!

- Pois me conta o que é.

- É segredo.

- Ah, amiga. Segredo?

- Pois é, Ana. É segredo até pra mim.

Ana preferiu não tocar mais no assunto. O final de semana se arrastava. Cada minuto parecia um século.
Livro, filme, internet, nada adiantava pra distrair Beatriz.

O domingo foi ainda pior, pois ela já não sabia sequer se Pedro iria voltar. E se o passado de repente fosse um tal de “pretérito mais-que-perfeito”? Melhor não pensar.

Já à noite, Beatriz caminhava pela casa desesperada. Meu Deus, e agora?

Quando menos espera, ela escuta o barulho da chave abrindo a porta. Pedro voltava como havia prometido. Sorriso no rosto, um buquê de rosas na mão e uma pizza na outra.

- Marguerita.

- Ah?

- Sua pizza preferida. Sei que não comeu direito esses dias.

- Você que pensa, nem me preocupei. Fui ao cinema com a Ana, cuidei das minhas unhas, cabelo, o tempo passou rapidinho.

- Tá bom, Bia. Acredito em você!

- E lá? Deu tudo certo?

- Sem perguntas, tá?

- Tá bom, então. Não vai me dizer nada?

- Tudo que vem, vem com algum propósito, assim como tudo que vai, vai por uma razão e o que fica é o essencial. E hoje sei que tenho o essencial para viver o resto da minha vida.

Jantaram, riram, assistiram a um filme agarradinhos como se nada tivesse acontecido. Depois, já na cama, Pedro olha pra Beatriz, dá-lhe um prolongado beijo na boca, vira-se pro lado e deita dizendo:

- Boa noite, Bia. Te amo!

Surpresa com a frase, Bia passa a mão nas costas de Pedro, beija a bochecha de seu amado e vira-se pro lado dizendo:

- Ai, ai!

terça-feira, 22 de julho de 2014

Três centímetros

Minha estatura nunca foi problema quando se trata de relacionamentos, até o dia em que me apaixonei por alguém com três centímetros a mais que eu.
Era pra ser uma noite perfeita, quando ela iria conhecer meus amigos na colação de grau de um deles. Mas um gesto mudou tudo.
Até então tudo corria perfeitamente. Como era uma festa onde todas as mulheres gastam até o que não podem para ficarem mais bonitas, Cláudia usava um vestido longo vermelho, um penteado que deixava o pescoço à mostra – o que a deixava ainda mais sensual, com aqueles pequenos fio de cabelos que escorrem pela nuca  – e, claro, um salto que me já me deixava  em uma condição um pouco mais inferior,
mas aquilo não era problema.
Um ou outro comentário do tipo:

- Nossa, como ela é linda.

- É sim!

- E bem mais alta que você!

- É que depois de algum tempo resolvi  praticar escalada.- respondia com bom humor.

Até que em uma roda de conversa, quando todos estávamos em pé, Cláudia um pouco cansada fez um breve movimento com o cotovelo e o encostou em meu ombro. Precisava fazer aquilo?
Naquele momento, os três centímetros transformaram-se em uma diferença absurda. Sabe quando você está cansado e se debruça sobre o balcão de um bar? Me senti assim, um encosto, um balcão, um banquinho em que você encosta o pé para poder descansar um pouco. Ainda pensei em fazer um gesto bruto e ela se desequilibrar, mas não podia ser rude com a mulher que até então eu amava.

Tranquei a cara até o final da festa. Não havia mais clima para estar ali, muito menos para continuar aquele relacionamento. Não sei onde estava com a cabeça de me apaixonar por uma pessoa que era anatomicamente maior que eu. Até pra segurar na cintura dela na hora em que estávamos dançando foi difícil. Olhava pro lado e via o Jorjão no alto dos seus quase dois metros chamando atenção e eu ali agora com um complexo de inferioridade. Tudo isso por causa de um cotovelo no ombro.

Chegando em casa a DR foi fundamental.

- Meu amor, o que aconteceu? De repente parece que você ficou chateado!

- Cláudia, acho melhor a gente não continuar nosso relacionamento.

- Mas por quê? O que houve?

- Não houve nada. É o que é.

- Então o que é?

- São três centímetros. É isso?

- Como assim Rogério?

- Você é três centímetros maior que eu e isso nos distancia demais.

- E desde quando eu ser um pouco maior que você se tornou problema?

- Desde hoje, Cláudia. Que você é maior todos já sabem, era evidente, com o salto ficou ainda maior...

- Ah, mas se o problema é o salto eu não uso mais.

- Não é o salto. Foi você ter se escorado em mim. Me senti um encosto, um balcão de um boteco...

- Mas meu amor, aquilo foi um gesto tão simples.

- Simples pra você, pra mim aquilo foi o fim. Não quero ser encosto pra ninguém.

- Rogério, eu te amo.

- Eu também te amo, mas três centímetros fazem muita diferença.

- Rogerinho...

- Não me chama assim que complica ainda mais.

- Tá bom, Carlos Rogério. Entenda o significado daquele gesto. Odeio usar salto, estava ali ao seu lado há horas passeando por aquele salão lotado, caminhando e sorrindo para conhecer todos os seus amigos. Quando paramos naquela hora, já era uma tortura estar em pé e o único momento de alívio foi quando pude me encostar no seu ombro. E é assim que quero você, meu querido. Nos momentos em que mais precisar terei em ti o apoio que tanto preciso e necessito.

- Oh, Claudinha. Me desculpa! Brigar por causa disso, não faz mesmo o menor sentido.

- Não faz mesmo!

- Pois desce aqui e me beija!

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Reconciliações

Tudo bem que confusão rima com tesão, mas uma coisa não está diretamente ligada a outra. Desde que Sônia colocou na cabeça a ideia de que as melhores transas acontecem depois de uma reconciliação, nunca mais o pobre Alberto teve sossego.

- Atrasado de novo?

- Como assim atrasado? São oito e meia.

- Por isso mesmo. Você sempre assiste à última parte da novela comigo e eu ao primeiro bloco do Jornal Nacional contigo. E hoje, como vai ser?

- Meu amor, só me atrasei porque passei antes na padaria para comprar um bolinho pra gente comer amanhã no café.

- Sei. Você estragou minha noite, Carlos Alberto. Quer saber? Vou me mudar pra casa da minha mãe.

- Como assim, Soninha?

- Não vem com essa de diminutivo. Soninha, amorzinho... Me esquece!

- Tudo isso por causa de quinze minutos?

- Ah, pra você são apenas quinze minutos, né? Carlos Alberto, aqueles são os únicos quinze minutos que nós temos durante o nosso dia. Você sai cedo de casa, enquanto eu ainda estou dormindo, não tomamos café da manhã e muito menos almoçamos. E aí você chega atrasado e ainda vem com história de que são apenas “quinze minutos”.

- Mas meu amor, eu tava comprando o bolo que você mais gosta justamente pra te agradar.

- Não vem com essa, Alberto. E tem mais, hoje ainda teve o agravante de ser o capítulo em que a Maria Tereza descobre que o Ernesto estava tendo um caso com a melhor amiga dela. E você sabia disso porque vimos a chamada da novela ontem, quando você não chegou atrasado.

- Então tá certo. Vamos nos separar por causa do atraso? É isso?

- É isso mesmo! Você não me respeita e nem me valoriza. E ainda estava te esperando pra jantar. Agora estou com raiva e com fome, ninguém merece.

- Sônia, senta aqui.

- Não.

- Senta, por favor. Deixa eu te dizer uma coisa.

- O que é?

- Daqui a meia hora, o capítulo inteiro já estará na internet. A gente toma um banho, esfria a cabeça, janta e assiste ao capítulo de “Paixões Avassaladoras” ali na nossa caminha, agarradinhos, vai ser muito melhor.

- Carlos Alberto, Carlos Alberto!

- Vamos lá, vai. A tecnologia é uma aliada do nosso amor.

- Alberto! Alberto!

- E sabe de uma coisa? Você fica ainda mais linda quando está zangada.

- Oh, Betinho. Me desculpa!

- Vamos pro banho?

- Não, prefiro uma passadinha rápida na cama.

E então, o casal Sônia e Alberto viveu mais um feliz capítulo da sua história de amor.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

História de amor macabra

São nas situações mais inusitadas e quando a gente menos espera que surgem as pessoas que mais mexem com o nosso coração. Não sou muito adepto aquela história: “Vou te apresentar uma amiga” ou “Rapaz, conheço uma garota que combina perfeitamente contigo”. Pra mim quando algo tem de acontecer, acontece, mesmo quando a gente menos espera. Tenho um amigo que encontrou o amor da vida dele após ter batido na traseira do carro dela. Ele saiu para reclamar dela ter freado bruscamente, mas quando a viu logo foi dizendo.
- Me perdoe, a culpa foi toda minha. Vamos acertar tudo!
E entre as conversas sobre o conserto do carro, ele acabou se oferecendo a dar-lhe carona todos os dias e assim estão indo juntos até hoje.
Mas essa história toda é pra contar o meu drama. Acreditei que tinha encontrado a mulher da minha vida em um cemitério. Há cinco anos eu estava no velório de um pai de um grande amigo quando de longe percebi uma moça próxima de onde um corpo estava sendo sepultado. Vestidinho básico preto (que deixava marcado a escultura que era o corpo abaixo dele), óculos escuros e um semblante triste que me encantou. Observei também que ela não usava aliança, portanto não era a viúva de quem estava sendo sepultado. Logo pensei em me aproximar e dizer algo que lhe trouxesse conforto, mas fiquei na minha. Se não soube dizer algo nem ao meu amigo naquela manhã, imagine para alguém desconhecido. Mesmo assim pensei em chegar junto com um diálogo do tipo:
- Pois é, né?
- Ah?
- Era uma pessoa tão boa!
- Esse daí? Já foi tarde!
Melhor evitar a possibilidade...
Fiquei imaginando uma forma de poder me aproximar, mas o pai do meu amigo, ou melhor, o corpo do pai do meu amigo, ia ser enterrado e eu precisava dar apoio à família. Para minha sorte, a cova “meu defunto” era ao lado da cova do defunto dela. Após os discursos e muitas lágrimas, resolvi me afastar um pouco da cerimônia do sepultamento e perguntar ao coveiro que ainda jogava um pouco de terra sobre a cova do conhecido da minha pretendente.
- E aí, meu irmão! Bom dia, tudo bem com o senhor?
- Mais ou menos, esse trabalho de enterrar os outros é meio complicado. A gente botando o cara no buraco, a família chorando, de vez em quando uma pessoa grita dizendo que quer ir junto, mas vamos lá... É a vida! Mas o que o senhor quer? Ninguém fala com coveiro!
- O companheiro por acaso sabe quem é esse daí que o senhor tá em cima?
- Rapaz, é um tal de Júlio Ribeiro Castro. Dizem que era um empresário. O senhor viu a quantidade de gente que tinha no enterro?
- Vi sim e como vi. Tenha um bom dia!
Saí dali certo de que iria começar uma busca para saber quem era o tal de Júlio Ribeiro Castro. Se era casado, se tinha filhos (ou filhas), vasculhei qualquer informação que pudesse me levar àquela garota. Descobri então que a família Ribeiro Castro era originária daqui, mas que fizera fama e fortuna no comércio do Acre. O tal de Júlio era um dos mais velhos e fundou a “Durma Bem” Indústria de Colchões. Casou-se em Rio Branco, com uma acreana chamada Flora, mas sempre que podia, vinha à Fortaleza visitar seus amigos. Aos mais próximos já tinha manifestado o desejo de ser enterrado em sua terra natal. Por ironia do destino, morrera enquanto dormia, talvez em cima de um dos tantos colchões que ajudou a fabricar.
Dizem que Seu Júlio entrou no ramo dos colchões não porque gostava de dormir, mas porque adorava fazer outra coisa em cima deles. Com isso, ele teve vários herdeiros, alguns fora do casamento. Eu acreditava que a minha pretendente deveria ser uma delas. Passei a acompanhar o obituário dos jornais de Rio Branco todas as manhãs, pois se havia uma possibilidade de eu encontrá-la de novo, com quase toda certeza, era no enterro de algum parente. Nunca torci tanto, que Deus me perdoe, pela morte de uma pessoa.
Houve uma época em que a Dona Flora esteve muito mal de saúde, os médicos chegaram a desenganá-la, mas em uma recuperação que surpreendeu a todos – e entristeceu a mim – ela reassumiu os negócios da família. Até pensei em contratar alguém que pudesse fazer algo contra aquela família, mas achei que a insanidade de fazer isso era maior que a obsessão que eu tinha para encontrar a tal Ribeiro Castro.
Mas ontem pela manhã, uma notícia me pegou de surpresa. “Nota de falecimento: a família Ribeiro de Castro convida a todos para o sepultamento da estimada Olga. Foram momentos inesquecíveis que vivemos ao seu lado”. Pronto, era a oportunidade que eu tanto esperei por cinco anos. Mas como eu poderia atravessar praticamente todo o país a tempo de chegar para o velório e o enterro?
Gastei até o que não tinha para estar hoje pela manhã em Rio Branco. Inventei uma desculpa no trabalho, falei com meus amigos que estava indo em busca de uma aventura que podia até ser macabra, mas eu tinha certeza que ela era a mulher da minha vida. Foram quase 5 mil quilômetros, doze horas de viagem, com escalas e conexões para tentar chegar ao cemitério a tempo de encontrar a minha amada.
Parecia um maluco, chegando ao cemitério e perguntando onde a Olga estava sendo enterrada. Corri feito um louco, pulando lápides, derrubando flores e passando por famílias que choravam por seus parentes. Foi quando vi de longe as mesmas pessoas que estavam no cemitério há cinco anos.
- Só pode ser ali, pensei eu!
E era. Meus olhos buscavam aquele rosto, o tal vestidinho preto básico, mas nada de eu encontrá-la. Observei bem todos os presentes e não a encontrei. Foi quando pensei: Será?
- Moça, desculpa a pergunta, mas quem é essa daí que está sendo enterrada?
- É o Olga, filha mais velha do Seu Júlio. Moça jovem, bonita e inteligente. Morreu igual ao pai. Dizem que é um problema genético no coração.
- A senhora tem uma foto dela?
- Claro! – e mostrou a foto – Você a conhece?
- Não, mas queria tê-la conhecido.
Era a minha Olga que tinha falecido. Lembram que eu disse que tinha encontrado a mulher da minha vida no cemitério? Pois é. Encontrei mesmo!
Pior foi o papelão que ainda fiz no enterro tentando me jogar na cova enquanto um pobre coveiro dizia:
- Calma, senhor! Calma!


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Passado. Presente... Futuro?

A incerteza diante do minuto seguinte, da hora que vem, do dia que não chega é um dos maiores conflitos para os seres humanos. Tanto que são inúmeros os filmes e livros que falam sobre máquina do tempo, a possibilidade de conhecer o futuro, voltar atrás no tempo para corrigir algum erro... Afinal quem nunca quis ter saído um pouco mais tarde da boate naquela noite, ter passado antes na farmácia pra ter comprado preservativo, não ter ido a casa dele (a) naquela noite, ter dito não ao invés de sim, ou “melhor não” quando você sabia que a coisa iria piorar... Mas enquanto não se pode mudar o passado, o jeito é tentar adivinhar o futuro. E era isso que aquelas três amigas estavam dispostas a fazer naquela tarde.
A fama de Irmã Isaura já percorria toda a cidade. “Não posso consertar os erros do seu passado, mas te ajudarei a não errar mais no futuro”. Com este slogan, ela atraía centenas de pessoas, todos os dias, para uma tenda colocada no meio de uma praça em um bairro da periferia da cidade. “Até agora ela não errou nada”, eram os comentários de quem ia chegando à praça. “Irmã Isaura disse que meu marido iria morrer. Duvidei até o dia em que o homem cai durinho de cara na sopa na hora do jantar. E olhe que ele tinha uma saúde de ferro”. “Acertar o futuro como essa daí? Tô pra ver nascer outra”. As amigas se aproximavam da fila quilométrica enquanto ouviam vários depoimentos dos feitos da Irmã Isaura.
Clarisse, Magda e Aline viviam situações diferentes. A primeira estava recém-divorciada, a segunda recém-casada e a terceira sempre encalhada.
- Eu vou primeiro. – disse Aline. Quero saber qual o tamanho da pedra que eu joguei na cruz pra nunca ter arranjado um homem que presta nessa vida.
- Amiga, homem nenhum presta. – comentou Clarisse.
- Você só diz isso porque acabou de levar um pé na bunda.  – retrucou Magda.
- Ah, nem vem. Você fala isso porque arranjou um homem bom. Isto é, ele é bom mesmo? – indagou a despeitada Clarisse.
- É ótimo, maravilhoso, nunca tinha sentido o que estou sentindo agora. – falou a convencida Magda.
- Então se tem tanta certeza de que o Arnaldo é tão maravilhoso assim, que você o ama e que serão felizes para sempre, o que veio fazer aqui? – perguntou Aline.
- Ah, o futuro a gente nunca sabe, não é? – respondeu a agora desconfiada Magda.
- Mas espero que a Irmã Isaura saiba. – afirmou Clarisse.
As três estavam angustiadas, já se passavam quase quatro horas naquela fila e ainda havia pelo menos umas dez pessoas na frente delas. A cada indivíduo que saía a expectativa aumentava. A pergunta na saída era sempre a mesma:
- E aí, o que ela te disse?
E as respostas eram as mais variadas. Algumas pessoas saíam incrédulas, outras confiantes... Um jovem e belo rapaz chamou atenção quando saiu.
- Tá vendo que um negócio desse não é capaz de acontecer. Essa mentirosa da Irmã Isaura dizendo que a minha esposa, a Santana, vai me largar para morar nos Estados Unidos com outro homem. Só sendo mesmo. Santana é a mulher mais séria que conheci em toda minha vida. Nem a finada minha mãe é tão séria como minha esposa. Ir embora pro estrangeiro? Onde já se viu um negócio desse?
- Coitado. Mal sabe esse daí que os meninos da rua colocaram um par de chifres na porta dele hoje de manhã, depois que viram a Santana sair toda arrumada, de mala e cuia em um carrão que encostou na casa dela hoje cedo.  – comentou uma senhora que estava na fila. Essa Irmã Isaura não erra mesmo – completou a distinta senhora. E ainda tem o velho ditado: “O corno é o último a saber”.
As amigas, que já estavam quase se deixando vencer pelo cansaço, entreolharam-se e se restava alguma dúvida da credibilidade da vidente, ela acabara de ir embora com o caso do marido traído. O que seriam duas horas a mais em pé, diante da certeza do que iria acontecer no futuro?
Mais duas horas e chegou a vez. Aline se aprontou toda pra ser a primeira das três.
- Pode entrar! – chamou a Irmã Isaura.
Longos 20 minutos se passaram. Magda e Clarisse olhavam-se e tentavam adivinhar o que estava se passando lá dentro. “Qual será o futuro dessa sem-futuro?”, pensavam.
A porta de saída da tenda era por trás, ou seja, a que entrasse logo após Aline, não poderia conversar com amiga para saber o que o futuro reservava.
- Você vai na frente. – disse Magda.
- Eu não. Vai você! – retrucou Clarisse.
- Por que eu? – questionou Magda.
- E por que eu?
- Clarisse, você acabou de se divorciar. Mais do que eu, quer saber o que o futuro te reserva. Eu encontrei o Arnaldo há pouco tempo. Estamos felizes juntos, mesmo que a Irmã Isaura diga que meu futuro com ele não será bom, eu não vou chegar a casa e terminar tudo. Se o futuro é pra ser assim, com suas angústias e decepções, que seja, pois eu sei que vou aprender muito. E você? O que o futuro guarda pra ti?
- Pode entrar! – gritou a Irmã Isaura.
- Tem razão, vou saber agora! – Clarisse riu para Magda, deu um beijo na amiga e entrou.
Meia hora depois, Clarisse sai e vê Magda e Aline conversando em um banco da praça.
- O que você fazendo aqui? E o teu futuro? – perguntou Clarisse à Magda.
- O meu futuro eu mesma escreverei.
- Tudo bem, amiga. E por que a Aline está assim? – Clarisse observava o olhar perdido e um leve sorriso no rosto de Aline.
- É o que estou tentando descobrir. Conta aí, Aline! O que houve lá dentro? – pediu Magda.
- A Irmã Isaura me falou muita coisa sobre estudo, família, trabalho e, é claro, amor. A que me deixou mais aliviada foi quando ela disse que não tinha jogado pedra alguma na cruz. Nesta hora ela olhou bem pra mim e disse: “O homem da sua vida está lá fora. Saia imediatamente, sente em um banco que fica debaixo de um pé de jambo e observe a rua na direção da lua cheia. Ele vai surgir na sua frente e te fazer uma pergunta que você jamais esperaria, mas que saberá exatamente a resposta”. – contou Aline.
- Que coisa mais doida, mulher de Deus. E você vai ficar parada aí esperando esse tal homem? – perguntou Magda.
- Mas é claro. Vou deixar passar uma oportunidade dessa?
- Ai, amiga, você vai me desculpar, mas estou muito cansada e não estou disposta a esperar esse tal príncipe encantado neste fim de mundo não. Até porque não gostei muito do que essa tal Isaura me contou não. – disse Clarisse.
- Eu também não vou fica. Até porque o Arnaldo está ligando e pedindo pra eu voltar. Boa sorte tá?
- Tudo bem, vou aguardar mais um pouco. Quero saber se a Irmã Isaura realmente acertou o meu futuro.
Já era tarde da noite e Aline lá, olhando para a rua na direção da lua esperando o tal homem de sua vida. Estava cansada das horas que ficara em pé e agora da longa espera por alguém que nem mesmo ela sabia se ia chegar.
- Será que a Irmã Isaura errou dessa vez?  - baixou a cabeça e começou a pensar sobre os erros que cometera no passado e sobre as incertezas do futuro. Foi quando ouviu passos de alguém se aproximando, levantou a cabeça e a luz forte vinda do poste impediu que ela visse o rosto do homem que se ajoelhou aos pés dela.
- Estive com a Irmã Isaura esta tarde e ela me disse que eu deveria vir aqui à noite porque uma reviravolta ia acontecer na minha vida. Minha esposa iria me abandonar e que eu encontraria uma mulher no banco da praça a quem eu deveria perguntar: é você?
Aline levantou o rosto daquele homem, olhou profundamente em seus olhos e respondeu:
- Sim, sou eu!
Beijaram-se longamente tendo a lua como testemunha, enquanto no meio da praça irmã Isaura terminava mais um dia de trabalho e atravessava a praça enquanto dizia:
- O ontem é passado, o amanhã é um mistério e o hoje é uma dádiva, por isso se chama presente. Mas do mistério, eu entendo!