quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Provas de amor

- Você me ama mesmo?

- Claro, ainda duvida?

- Pois prove!

Provas de amor sempre são complicadas. O amor não é uma ciência, não pode ser medido. Como a pessoa vai provar que está amando realmente? Não dá pra ir a um laboratório, fazer um exame de sangue e o médico comprovar.

- Vejo que o senhor está ligeiramente apaixonado?

- O senhor tem certeza, doutor?

- Sim, claro. Os exames mostram que ainda é bem inicial, nada contagioso.

E todos sabem que quando a gente está verdadeiramente amando, contagiamos todo o ambiente.

- Olha lá, olha lá?

- O quê, Gertrudes?

- Aquele casal se beijando loucamente. Aquilo sim é que é amor.

- Pois vem aqui e me beija!

E são várias as provas de amor que temos de dar ao longo de um relacionamento.

- Amor, nunca ganhei flores suas, sabia?

- Como não? Lembra daquele dia no sinal...

- Que o homem estava vendendo flores pro Dia dos Namorados?

- Isso mesmo! Aquilo era uma flor, não era?

- Uma rosinha muito da mixuruca!

- Mas era!

- Queria mesmo era um buquê, bem, grande, daqueles que a gente nem pode segurar por baixo, tem de abraçar.

- Pra que?

- Seria uma grande prova de amor.

- Que nada. Flores murcham e morrem. O que nunca vai acontecer com o nosso amor.

- Oh, meu tchutchuquinho.  Sempre com uma palavrinha romântica.

Mulheres, principalmente, pedem as tais provas de amor a todo tempo. E não adianta fazer do seu jeito, tem do ser da maneira que ela sempre imaginou que fosse. Se é caixa de bombom, você tem de saber se ela está de dieta. Uma roupa? Pode ter certeza que o homem sempre vai errar o manequim. Um jantar romântico? Tem de saber exatamente o que ela gosta de comer (e quase sempre o homem erra). Uma pelúcia? Será que ela não é alérgica?

O amor não precisa dessas tais provas. Precisa ser vivido, simplesmente. Mas, atenção mulherada, quer uma prova de amor verdadeira de um homem?  Marquem um encontro no dia e horário em que o time dele estiver disputando um jogo decisivo. Se ele abrir mão de uma disputa de pênaltis, acredite, você encontrou o homem que será capaz de tudo para manter aquele relacionamento.

Na dúvida se aquele “fica” viraria “fixo”, Jaqueline propôs um encontro para Humberto, torcedor fanático do América.

- Na Quarta?

- Por quê? Algum problema? Na quarta-feira você não tem aula!

- É que eu já tenho um compromisso.

Ela já sabia que naquele dia e na hora do encontro, o América estaria disputando as oitavas de final do campeonato piauiense da terceira divisão.

- Que compromisso é mais importante que você ficar comigo?

- Pois é, né? Mas é que ... Não é necessária minha presença lá, sabe? Mas eu tenho de dar força pra quem vai estar lá, compreende?

- Ah, o tal compromisso nem seu é? Então me esquece.

- Tá bom, Jaque. Tá bom! Vamos sair na quarta, sim.

Humberto ainda pensou em desmarcar, levar um rádio escondido, subornar um garçom pra ficar trazendo o resultado do jogo em um guardanapo, mas achou melhor não.

Saíram, riram e se divertiram. No local do encontro, nada de TV, pra não atrapalhar. Ao final:

- Muito obrigado, Humberto. Hoje eu sei que realmente você é o homem da minha vida!

- Só hoje?

- Isso, porque sei do que você abriu mão pra estar aqui comigo. Foi a maior prova de amor que já me deu.

- Sabe mesmo, amor? Você não sabe o quanto eu sofri por isso, mas está valendo a pena.

- Mas tenho algo muito sério pra te dizer.

- O que foi agora?

- O jogo foi para os pênaltis.

- Sério? Meu Deus e agora? Como você sabe?

- Pedi ao garçom que ficasse me avisando do placar pelo guardanapo. Terminou empatado em zero a zero. E agora vai para a disputa de penalidades.

- Poxa! Vou perder isso!

- Vem cá! Tenho algo aqui pra você.

- Um fone?

- Vamos acompanhar a disputa de pênaltis pelo rádio aqui, juntinhos.

O América perdeu a disputa. Bitonho, o craque do time, perdeu a última cobrança. Jaqueline e Humberto acompanharam tudo ali, de rosto colado, com a certeza de que não seria necessária mais nenhuma prova de amor para que os dois ficassem juntos.






sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ai, ai...

Todo mundo tem alguma história não encerrada no passado. Quase sempre histórias de amor. Aquela amiguinha da escola que não te largava na hora do recreio, ou a colega da faculdade que sempre queria estar no mesmo grupo de estudos que o seu, ou ainda aquela menina da rua que sempre que você passava perguntava se não queria entrar pra tomar um café ou várias outras que surgem ao longo das nossas vidas e não sabemos como lidar com a situação.

Todas as noites, já na cama ao lado da esposa, antes de fechar os olhos, Pedro dava um beijo na testa de Beatriz e dizia:

- Ai, ai!

Virava e dormia.

Até que um dia, quando estava prestes a completar um ano de casado, Pedro confessou.

- Bia, senta aqui. Quero conversar algo sério com você!

- O que foi, meu bem?

- Você sabe que eu sou completamente apaixonado por você e que encontrei em ti o porto seguro da minha embarcação que andava meio perdida.

- Sim, sei. Ou melhor, acho que sei, né? Que conversa é essa agora?

- Quero passar o resto da minha vida contigo, mas...

- Mas o que, Pedro?

- Preciso de um final de semana pra resolver um problema.

- Que problema?

- Esse é outro problema. Você não pode saber o problema que tenho pra resolver.

- Como assim?

- Tem uma história do meu passado que não terminou. Preciso transformar as reticências em  um ponto final e não mais deixar essa interrogação na minha vida, entende?

- Não, não entendo!

- Você me ama?

- Muito.

- Pois confie em mim. Amanhã saio de casa e volto ainda no domingo pra jantarmos.

- Como assim?

- Eu preciso disso. E mais: você vai me prometer que nunca, mas nunca mesmo, vai perguntar algo sobre esse final de semana. Preciso disso para continuarmos juntos.

- Mas Pedro, eu não estou entendendo mais nada.

- Te juro. Um final de semana em troca de uma vida toda. Só o que estou pedindo.

No dia seguinte, Pedro arrumou uma pequena mochila, deu um beijo na bochecha de Beatriz e disse:

- Até domingo!

A porta se fechava, mas antes que ela cerrasse um turbilhão de dúvidas entrava na cabeça de Beatriz. Afinal que história no passado era essa? Era alguém que não foi pra igreja no dia do casamento e não se manifestou na hora do “cale-se para sempre”? Uma amiga da escola? Da faculdade? Hum... Tinha aquela secretária do trabalho que ele sempre elogiava, mas essa não. Aquela não merecia nem cinco minutos, imagine então um fim de semana.

E foi assim todo aquele fim de semana. Bia ainda pensou em ligar para o telefone de Pedro, mas antes que o pensamento virasse ação ela percebera que ele deixara o telefone desligado sobre o criado-mudo que ficava ao lado da cama.

A melhor coisa era sair, desopilar e não pensar onde Pedro estava. Um cinema com as amigas era uma boa opção.

- Você me chamando pra ir ao cinema? Que milagre é esse? Você e o Pedro não se largam um instante. Ele vai também? – perguntou Ana, melhor amiga de Beatriz.

- Desta vez ele não vai.

- Por quê?

- Viajou.

- Viajou pra onde?

- Viagem de negócios.

- Hum, amiga. Que tipo de negócio?

- Vai ou não vai ao cinema?

Onde menos a atenção de Beatriz estava era na história que se passava na telona. O que Pedro estaria fazendo? Com quem? E que passado era esse?

- Gostou?

- Do que?

- Do filme, Bia?

- Ah, sim. Gostei muito!

- Pois eu detestei. Eu e a maioria das pessoas. Você entendeu aquela parte do...

- Aninha, vamos ao salão? Desculpa mas não estou muito a fim de conversar hoje.

- Nossa, Bia. Você tá meio grossa mesmo. Tá preocupada com o tal negócio do Pedro?

- Muito!

- Pois me conta o que é.

- É segredo.

- Ah, amiga. Segredo?

- Pois é, Ana. É segredo até pra mim.

Ana preferiu não tocar mais no assunto. O final de semana se arrastava. Cada minuto parecia um século.
Livro, filme, internet, nada adiantava pra distrair Beatriz.

O domingo foi ainda pior, pois ela já não sabia sequer se Pedro iria voltar. E se o passado de repente fosse um tal de “pretérito mais-que-perfeito”? Melhor não pensar.

Já à noite, Beatriz caminhava pela casa desesperada. Meu Deus, e agora?

Quando menos espera, ela escuta o barulho da chave abrindo a porta. Pedro voltava como havia prometido. Sorriso no rosto, um buquê de rosas na mão e uma pizza na outra.

- Marguerita.

- Ah?

- Sua pizza preferida. Sei que não comeu direito esses dias.

- Você que pensa, nem me preocupei. Fui ao cinema com a Ana, cuidei das minhas unhas, cabelo, o tempo passou rapidinho.

- Tá bom, Bia. Acredito em você!

- E lá? Deu tudo certo?

- Sem perguntas, tá?

- Tá bom, então. Não vai me dizer nada?

- Tudo que vem, vem com algum propósito, assim como tudo que vai, vai por uma razão e o que fica é o essencial. E hoje sei que tenho o essencial para viver o resto da minha vida.

Jantaram, riram, assistiram a um filme agarradinhos como se nada tivesse acontecido. Depois, já na cama, Pedro olha pra Beatriz, dá-lhe um prolongado beijo na boca, vira-se pro lado e deita dizendo:

- Boa noite, Bia. Te amo!

Surpresa com a frase, Bia passa a mão nas costas de Pedro, beija a bochecha de seu amado e vira-se pro lado dizendo:

- Ai, ai!

terça-feira, 22 de julho de 2014

Três centímetros

Minha estatura nunca foi problema quando se trata de relacionamentos, até o dia em que me apaixonei por alguém com três centímetros a mais que eu.
Era pra ser uma noite perfeita, quando ela iria conhecer meus amigos na colação de grau de um deles. Mas um gesto mudou tudo.
Até então tudo corria perfeitamente. Como era uma festa onde todas as mulheres gastam até o que não podem para ficarem mais bonitas, Cláudia usava um vestido longo vermelho, um penteado que deixava o pescoço à mostra – o que a deixava ainda mais sensual, com aqueles pequenos fio de cabelos que escorrem pela nuca  – e, claro, um salto que me já me deixava  em uma condição um pouco mais inferior,
mas aquilo não era problema.
Um ou outro comentário do tipo:

- Nossa, como ela é linda.

- É sim!

- E bem mais alta que você!

- É que depois de algum tempo resolvi  praticar escalada.- respondia com bom humor.

Até que em uma roda de conversa, quando todos estávamos em pé, Cláudia um pouco cansada fez um breve movimento com o cotovelo e o encostou em meu ombro. Precisava fazer aquilo?
Naquele momento, os três centímetros transformaram-se em uma diferença absurda. Sabe quando você está cansado e se debruça sobre o balcão de um bar? Me senti assim, um encosto, um balcão, um banquinho em que você encosta o pé para poder descansar um pouco. Ainda pensei em fazer um gesto bruto e ela se desequilibrar, mas não podia ser rude com a mulher que até então eu amava.

Tranquei a cara até o final da festa. Não havia mais clima para estar ali, muito menos para continuar aquele relacionamento. Não sei onde estava com a cabeça de me apaixonar por uma pessoa que era anatomicamente maior que eu. Até pra segurar na cintura dela na hora em que estávamos dançando foi difícil. Olhava pro lado e via o Jorjão no alto dos seus quase dois metros chamando atenção e eu ali agora com um complexo de inferioridade. Tudo isso por causa de um cotovelo no ombro.

Chegando em casa a DR foi fundamental.

- Meu amor, o que aconteceu? De repente parece que você ficou chateado!

- Cláudia, acho melhor a gente não continuar nosso relacionamento.

- Mas por quê? O que houve?

- Não houve nada. É o que é.

- Então o que é?

- São três centímetros. É isso?

- Como assim Rogério?

- Você é três centímetros maior que eu e isso nos distancia demais.

- E desde quando eu ser um pouco maior que você se tornou problema?

- Desde hoje, Cláudia. Que você é maior todos já sabem, era evidente, com o salto ficou ainda maior...

- Ah, mas se o problema é o salto eu não uso mais.

- Não é o salto. Foi você ter se escorado em mim. Me senti um encosto, um balcão de um boteco...

- Mas meu amor, aquilo foi um gesto tão simples.

- Simples pra você, pra mim aquilo foi o fim. Não quero ser encosto pra ninguém.

- Rogério, eu te amo.

- Eu também te amo, mas três centímetros fazem muita diferença.

- Rogerinho...

- Não me chama assim que complica ainda mais.

- Tá bom, Carlos Rogério. Entenda o significado daquele gesto. Odeio usar salto, estava ali ao seu lado há horas passeando por aquele salão lotado, caminhando e sorrindo para conhecer todos os seus amigos. Quando paramos naquela hora, já era uma tortura estar em pé e o único momento de alívio foi quando pude me encostar no seu ombro. E é assim que quero você, meu querido. Nos momentos em que mais precisar terei em ti o apoio que tanto preciso e necessito.

- Oh, Claudinha. Me desculpa! Brigar por causa disso, não faz mesmo o menor sentido.

- Não faz mesmo!

- Pois desce aqui e me beija!

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Reconciliações

Tudo bem que confusão rima com tesão, mas uma coisa não está diretamente ligada a outra. Desde que Sônia colocou na cabeça a ideia de que as melhores transas acontecem depois de uma reconciliação, nunca mais o pobre Alberto teve sossego.

- Atrasado de novo?

- Como assim atrasado? São oito e meia.

- Por isso mesmo. Você sempre assiste à última parte da novela comigo e eu ao primeiro bloco do Jornal Nacional contigo. E hoje, como vai ser?

- Meu amor, só me atrasei porque passei antes na padaria para comprar um bolinho pra gente comer amanhã no café.

- Sei. Você estragou minha noite, Carlos Alberto. Quer saber? Vou me mudar pra casa da minha mãe.

- Como assim, Soninha?

- Não vem com essa de diminutivo. Soninha, amorzinho... Me esquece!

- Tudo isso por causa de quinze minutos?

- Ah, pra você são apenas quinze minutos, né? Carlos Alberto, aqueles são os únicos quinze minutos que nós temos durante o nosso dia. Você sai cedo de casa, enquanto eu ainda estou dormindo, não tomamos café da manhã e muito menos almoçamos. E aí você chega atrasado e ainda vem com história de que são apenas “quinze minutos”.

- Mas meu amor, eu tava comprando o bolo que você mais gosta justamente pra te agradar.

- Não vem com essa, Alberto. E tem mais, hoje ainda teve o agravante de ser o capítulo em que a Maria Tereza descobre que o Ernesto estava tendo um caso com a melhor amiga dela. E você sabia disso porque vimos a chamada da novela ontem, quando você não chegou atrasado.

- Então tá certo. Vamos nos separar por causa do atraso? É isso?

- É isso mesmo! Você não me respeita e nem me valoriza. E ainda estava te esperando pra jantar. Agora estou com raiva e com fome, ninguém merece.

- Sônia, senta aqui.

- Não.

- Senta, por favor. Deixa eu te dizer uma coisa.

- O que é?

- Daqui a meia hora, o capítulo inteiro já estará na internet. A gente toma um banho, esfria a cabeça, janta e assiste ao capítulo de “Paixões Avassaladoras” ali na nossa caminha, agarradinhos, vai ser muito melhor.

- Carlos Alberto, Carlos Alberto!

- Vamos lá, vai. A tecnologia é uma aliada do nosso amor.

- Alberto! Alberto!

- E sabe de uma coisa? Você fica ainda mais linda quando está zangada.

- Oh, Betinho. Me desculpa!

- Vamos pro banho?

- Não, prefiro uma passadinha rápida na cama.

E então, o casal Sônia e Alberto viveu mais um feliz capítulo da sua história de amor.