quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cachorrada

Devo admitir: não gosto de animais de estimação. Mas isso não faz com que eu os maltrate, só não os quero perto de mim. Prefiro utilizar meu tempo com outras coisas. Não me imagino, por exemplo, passear com um cachorro, muito menos ser lambido na boca por aquele ser canino e peludo como muitas pessoas fazem. Enfim, sou assim.

Pois não é que fui me apaixonar justamente por uma garota que amava cachorro? Às vezes tinha a impressão de que ela era mais carinhosa com ele do que comigo. Também pudera, em um dos nossos primeiros encontros, eu para agradá-la fiquei passeando com o cachorro na pracinha perto de sua casa, enquanto ela se ajeitava para irmos ao cinema. Quase duas horas depois, ela aparece com a mesma roupa que estava quando a deixei em casa. Eu já com a cara emburrada e o cachorro pulando feito um louco e balançando o rabo morto de feliz por vê-la. Ela tinha que gostar mais dele mesmo.

Pra piorar a situação, ela não tinha um cachorro. Na sua casa havia três, sendo que um deles, justamente o maior, não ia com a minha cara. Era impressionante:  eu tinha de chegar na casa, esperar o cachorro ser trancado lá no banheiro do quintal e só então podia correr para os braços da minha amada. E mesmo assim com ela dizendo:

- Entra logo amor que o Ralph não pode ficar muito tempo preso.

Ele não, mas eu sim. Porque eu não podia nem chegar perto da janela que ele começava a latir. Era um namoro de sala, parecia aqueles do início do século passado. Dava nem para dar uma escapadinha pro jardim e ganhar uns beijos mais quentes porque a fera sempre estava lá com aquele olhar desafiador para mim.

- Ah, amor! Por que você não gosta dele?

- Eu não gosto dele? O Ralph é que me odeia.

- Ele não te odeia.

- Claro que sim. Quando a gente chega, ele te lambe olhando pra mim com desdém e quando você o larga ele parte pra cima de mim latindo e querendo arrancar um pedaço do meu ser. Isso não é odiar?

Não sabia até quando eu iria aguentar aquela cachorrada.

O tempo foi passando e eu nunca me acostumei com aquela situação, mas a minha sorte ia mudar. Um dia eu resolvi tentar mudar aquela situação. Passei em uma pet-shop comprei um ossão a fim de tentar fazer "amizade" ou pelo menos dar um tom mais diplomático na minha relação com o Ralph.

Toquei a campainha e logo estranhei porque não ouvi os latidos. Ralph me conhecia pelo cheiro e quando eu dobrava a esquina ele já começava a me ameaçar. Mas naquele dia quem veio me atender foi a Lúcia que antes nem disse como de costume: "Prende o cachorro!"

- Amor, o Ralph foi atropelado! - disse Lucinha aos prantos.

- Mas como?
- Abri o portão para minha mãe entrar com as compras e ele saiu correndo atrás do vendedor de picolé. Foi quando uma moto passou e pegou ele em cheio.

- Caramba! E o motoqueiro, como está?

- O motoqueiro, amor? O Ralph é atropelado e você quer saber como está o motoqueiro?

- Me desculpa, mas é que o Ralph é um cachorro.

- Um cachorro? É assim que você considera o Ralph? É por isso que ele te odiava.

- Mas, meu bem e ele era o quê?

- Você ainda pergunta? Ralph era um membro da família, quase um irmão. Quando você brigava comigo e eu chegava em casa aos prantos, era sempre ele que me consolava.

- Tá bom, desculpa. E cadê ele?

- Ele quem? O motoqueiro? É só dele que você quer saber mesmo. Só quebrou umas costelas e já foi pro hospital.

- Não, Lucinha. O Ralph? Cadê ele?

- Tá sendo operado agora.

Já não estava mais. A mãe dela acabava de entrar na casa dizendo que o Ralph tinha ido para o "céu dos cachorrinhos". Lucinha aumentava o som do pranto, enquanto eu a consolava com uma felicidade contida no rosto.

- Calma, Lucinha! Não chora.

- Ora não chora. Você fala isso porque está aí todo alegre com a partida do Ralph.

- Não diga isso (Nessa hora tive de segurar o sorriso mesmo)! Vamos fazer o seguinte: amanhã te dou um cachorro novinho, igual ao Ralph.

- Como é que é?

- Um novo mascote! Que tal?

- Um novo mascote? Ah, é! Não precisa!

- Como não?

- Não porque já tenho uma anta em casa: você. Insensível!

- Calma, Lucinha!

- Sai fora, agora! Cachorro!

Desde este dia perdi minha gatinha. Por isso não gosto de animais.

domingo, 22 de abril de 2012

Uma palavra

- Me define com uma palavra.
- Ah?
- Vai lá! Como você me definiria com uma palavra.
- Sei lá! Você é tão complexa que acho complicado definir em uma só palavra.
- Quer dizer que é assim que sou pra você?
- Assim como?
- Complexa e complicada. Minha definição com uma palavra pra ti é essa, pois pelo menos escolha uma dessas duas palavras.
- Olha, você não está entendendo...
- Entendi sim. Bora, desembucha: uma palavra. Agora. Vai.
- Tá bom. É... é...
- Oh, coisa difícil. Depois a complexa e complicada aqui sou eu.
- Maravilinda!
- Ah?
- Maravilinda. É esta a palavra pra te definir.
- Ah, mas isso não existe. Não tem no dicionário.
- Você pediu uma palavra. Não comentou nada a respeito de dicionário. Pra mim você é maravilhosa e linda, ou seja, maravilinda.
- Gostei não.
- Não?
- Você não sabe me definir e fica inventando coisas.
- Mas meu bem, o amor é mesmo assim: indecifrável. Ninguém consegue definir o que sinto por você, por exemplo.
- Ah, é? Sei...
- E olha, não sei pra que esse negócio de definições. E mais: em uma palavra. Onde já se viu?
- Insensível.
- Ah.
- Te defini. Com uma palavra.
- Amor...
- Insensível.
- Tá bom, é assim? Chata!
- Ah?
- Chata.
- Barrigudo.
- Vesga.
- Ah, vesga eu? Era só o que me faltava. Neste instante eu era “maravilinda”, agora sou vesga.
- Quem começou a insultar foi você.
- Quer saber de uma coisa? Pra mim chega!
- Como assim?
- Chega! Fim! Acabou!
- Calma!
- Tchau!
- Mas...
E saiu assim da minha vida: com uma palavra.