terça-feira, 29 de novembro de 2011

Compra parcelada

É muito comum quando estamos em um relacionamento a divisão das contas, principalmente na atual sociedade em que as mulheres – por mais que gostem – não aceitam que os homens paguem a conta sozinhos.

- Você já pagou da última vez que saímos. Hoje a conta é minha!  - ela diz.

- Não, de jeito nenhum... Dá essa conta aqui!

- Quer sair de novo comigo? Então fica na tua! – setencia.

Diante de uma ameaça dessa, você fica mesmo.

E assim o relacionamento segue, até o dia em que ela resolve comprar algo parcelado em seu cartão de crédito, pois o limite do dela estourou – o que não é tão complicado.  E, é claro, você aceita.

- Não se preocupe, eu pago direitinho!

- Tudo bem, mas o que é?

- Um vestido florido. Não tenho nenhum!

Apesar de você saber que o guarda-roupas dela mais parece um jardim de tanto vestido florido que ela tem, acaba aceitando. Passa horas na loja e depois de experimentar treze vestidos ela vem estonteante.

- E aí?

- Você tá linda!

Vamos ao caixa, passo o meu cartão e compro aquele vestido em seis parcelas.

O que eu não esperava era que no final de semana seguinte o relacionamento que ia de vento em popa simplesmente naufragasse. Ela veio com uma história de que não gostava mais de mim, que a relação havia esfriado e que era chegada a hora de dar um basta naquilo. Eu até pensei em perguntar: “E o vestido? Você vai continuar pagando?”.

Mais do que a dor do fim do relacionamento era saber que a cada mês quando chegasse a fatura eu teria de olhar para a parcela do vestido e saber que era eu que teria de pagar. E outra: saber que quem tiraria o vestido dela não era eu! Ai, ai!

E agora, cobro ou não? 

Uma amiga minha passou pela mesma situação. E fazia questão de deixar a grana todo mês na casa do ex para honrar a dívida. Resultado: oito parcelas, oito recaídas. Final do parcelamento e ela me perguntou:

- E agora?

- De duas uma: ou você pede novamente o cartão dele emprestado novamente e continua esse relacionamento parcelado ou você encerra a conta de uma vez.

Ela não pediu mais nada emprestado e acabou aceitando a oferta de uma daquelas pessoas que fica oferecendo cartão de crédito no meio da rua. O meu problema persistia. O dia do vencimento já passou há mais de uma semana e até agora o silêncio é total. Até que tenho vontade de ligar e dizer:

- Bom dia! Sabe aquele vestido?

Mas tenho medo de uma reação do tipo!

- Você não quer nem saber se estou bem e só já vem falando de dinheiro. Por isso que nosso relacionamento não foi pra frente. Já disse que vou pagar. Insensível!

Neste caso fico com a bronca e com a dívida.

Mas também pode ser que ela responda.

- Desculpa! Você pode passar lá em casa e pegar o dinheiro? Sobe, a gente toma um café, conversa...

Neste caso eu continuo com a dívida, mas pelo menos com esperança.

Em um próximo relacionamento eu já sei o que fazer. Nada de compras parceladas.

- Mas eu queria tanto aquela sandália. E olha lá, a loja ainda parcela!

- Melhor comprarmos à vista!

- Tem certeza? Eu não tenho dinheiro! Me empresta teu cartão, o meu estourou o limite!

- Pode deixar. Te dou de presente!

- Meu bem, eu pago direitinho. Não se preocupe!

- Vai ser presente por você ser uma pessoa tão especial!

- Te amo, sabia? Tenho certeza que encontrei o homem da minha vida!

Neste caso você fica sem dívidas e com a certeza de que fez a coisa certa!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Amigos e adversários

Estava tudo indo bem demais. Logo que a vi pela primeira vez no trabalho, perguntei:
- Quem é?

-Funcionária nova do departamento.

- Sério? Qual departamento?

- O teu, ora!

Conversa daqui, apresenta de lá...

- Vamos almoçar para conversar melhor sobre como as coisas funcionam aqui?

Não sei se por receio do que eu poderia contar ou mesmo por empatia, logo ela aceitou. Aí veio um almoço, lanchinho no meio do expediente, jantar depois do expediente e...Até que um dia!

- Cara, preciso te contar uma coisa! – disse eu a um amigo de trabalho.

- É mesmo? Eu também! - respondeu cabisbaixo o meu melhor amigo.

Logo escondi minha empolgação e resolvi escutá-lo.

- Sabe a funcionária nova?

- Sim, a...

- A mesma! Pois é, ela anda mexendo muito comigo!

- Mas como assim? (Será que ela estava saindo com meu amigo também? Ah, aquela...)

- Eu a conheço há muitos anos e fomos namorados na adolescência. Terminamos o relacionamento, pois passei no vestibular em outro Estado e não seria justo eu querer ficar com ela, sem poder estar próximo dela, entende?

- Sim, mas isso é passado! (Fui logo tentando despistar pois não queria escutar o que estava por vir).

- Pior que não! Quando a vi naquele dia entrando no corredor, percebi que ela está mais presente que nunca. Sabe o tipo de pretérito imperfeito?

- Sei...

- Pois é! E agora? O que faço?

- Cara, como te disse! Isso é passado. Vive o teu presente, por isso o tempo que estamos vivendo agora tem esse nome: PRESENTE (filosofia é sempre bom para despistar).

- É que eu tenho o hábito de querer controlar muito o meu futuro... até que funciona. O problema é que, quando ele se torna o presente, mesmo saindo como o "planejado", já não parece tão legal.

- Mas é ótimo! Você é um cara bonito, bacana, todo mundo na empresa - e também fora dela - te adora. Por que ficar sofrendo por algo que já passou?

- Passou nada. Ontem tive a prova.

- O que aconteceu?

- Tomei coragem e liguei pra ela ontem. Disse que ela ainda mexia muito comigo e pedi uma nova chance para ela. Mas aí veio o direto de direita.

- O quê?

- Ela me disse que estava saindo com um cara aqui da empresa. Que os dois estavam se dando superbem...Aquilo me deu uma raiva! Uma vontade de quebrar a cara daquele...

- Sério? E diante disso, o que você vai fazer?

- Não sei. Só imagino como vai ser ruim vê-la com outra pessoa. Saber que a página virou, a fila andou, o bonde passou...

- Mas de repente isso pode até te ajudar a esquecê-la. Não acha?

- De jeito nenhum. Sabe aquele negócio de alma-gêmea? Tenho certeza que ela é a minha! Enfim... Desabafei!

Olhei para o meu amigo e percebi que sua fisionomia havia mudado completamente. Um sorriso largo foi se abrindo lentamente no seu rosto e quando olhei para trás era ela. Neste dia estava mais linda do que nunca. Tocou de leve no meu ombro e disse:

- Bom dia! (Excelente, pensei). 

Quando voltei meu olhar para meu amigo, percebi um semblante desconfiado.

- Por acaso você sabe com quem ela está saindo? - perguntou com um olhar desafiador.

- Nem desconfio!

- Certo, mas o que você ia me contar mesmo?

- Nada, esquece! Tenho reunião agora...

- Sei... Até mais, amigo!

- Valeu, (meu adversário - espero não ter pensado alto).

sábado, 8 de outubro de 2011

Amizade amarga

Ninguém pede pra ser amigo. Eu pelo menos, não lembro jamais de ter chegado para uma pessoa e ter dito:

- Vamos ser amigos?

Amizade é algo maravilhoso porque surge de forma espontânea. Ninguém é amigo por obrigação, a isto chamamos de coleguismo. A amizade mesmo, aquela em que os seres sentem-se cúmplices de todas as situações – boas ou ruins, cedo ou tarde, sóbrio ou bêbado –  são raras, por isso mesmo devem ser cultivadas.

Mas não quero falar do lado bom da amizade. Por incrível que possa parecer, este sentimento pode sim ter um gosto amargo. Sabe quando? Quando a amizade vira uma paixão unilateral.

Conhecemos os amigos nas mais diferentes situações, e sem perceber estamos lá, rindo juntos, trocando confissões, falando de outros amores, trabalho, futuro, chorando juntos, ou simplesmente deixando o outro chorar e dizendo: “calma, vai dar tudo certo”. Mas, eis que de repente você se dá conta de que aquela pessoa ao seu lado pode ser mais que uma amiga. Afinal, ela divide tudo com você, desde a notícia de uma boa nota na faculdade a uma discussão braba em casa porque o pai não concorda que ela com 18 anos esteja saindo com um cara de 40 alegando que ele é demais para você( no fundo a gente concorda com o pai da amiga, mas fazer o que né? – Calma, vai ficar tudo bem!).

De tanto dividir com sua amiga você descobre que é hora de que aquele sentimento pode ser somado, multiplicado, mas aí vem a subtração.

- Não podemos ser só amigos? – ela diz assim, diminuindo seu sentimento à pura e simples amizade.

É nessa hora que dá vontade de dizer.

- Não, não dá! Você não entende?

Mas covardemente você não diz.

- Entenda: a gente é tão amigo!!! – é sempre o mesmo ultimato!

- E você já viu alguém namorar inimigo? – esta frase já é de quem está beirando ao desespero.

- Amizade, pode ser? O que sentimos é puro e verdadeiro – ela setencia.

Pura falsidade! Não sei se da parte dela ou da minha. Eu por concordar com aquela situação, mesmo torcendo contra todo tipo de relacionamento que ela venha a ter.

- Sabe o Paulão?

- Aquele seu colega de faculdade? Sim, claro que sei! Assumiu que é gay?

- Não, na verdade... Estamos namorando!

- Ah?! (Putz, logo ele)...Que bom! Ele é um cara muito bacana.

Bacana não! Um tremendo de um sacana! Dia desses flagrei ele entrando em uma boate freqüentada por pessoas “alternativas” com dois caras, mas se é pra manter a amizade, melhor ficar calado.

A garota também acaba sendo um pouco egoísta, pois caso o relacionamento não dê certo, pelo menos o “amigo” estará ali. Por isso ela quer tanto a sua amizade! É o tal porto-seguro a qual você sempre vai recorrer nos momentos mais turbulentos dessa viagem chamada vida.

E assim aquela “amizade” de gosto amargo continua. Você fingindo que torce pela felicidade dela, mas na verdade está mesmo é esperando que ela te dê uma oportunidade. E ela sempre dizendo:

- Vamos continuar sendo amigos, né?

- Claro, sempre!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Aquele feriado

Era feriado! O restaurante estava lotado de gente que odeia ir para a cozinha em dia de folga no trabalho. Claro que estava ali pelo mesmo motivo. Cheguei e tomei um susto enorme com o tamanho da fila do self-service, mas já que estava ali resolvi encarar. Melhor a fila que comer arroz com ovo em casa.

Cinco minutos depois, prato feito e começava a busca por uma mesa. Eu sempre fico meio constrangido em pedir para sentar à mesa junto com alguém que não conheço, por isso buscava um lugar só pra mim, de preferência bem escondido. Olhei pro lado, andei pelo outro e de repente a pergunta:

- Quer sentar aqui comigo? – disse uma garota linda.

- Ah?

- Faz um tempão que vejo você rodando de um lado para outro com esse prato na mão. Se quiser, pode sentar aqui comigo.

Ela usava óculos, cabelo meio despenteado, cara de intelectual, do jeito que eu sempre imaginava uma companheira para mim. Não aquelas mulheres que parecem sair de uma fábrica de produção em série. Minha companheira de self-service tinha algo especial.

Sentei, apesar de estar muito constrangido. Meu prato era enorme e tinha de tudo um pouco. Ela deve ter me achado um esfomeado.  O prato dela dava gosto de ver, muito colorido e organizado. O meu era aquela gororoba de muitos sabores. E como começar a conversa em um restaurante se desde pequeno mamãe me ensinava a não falar de boca cheia? Claro que foi ela quem puxou assunto.

- Os restaurantes estilo self-service são um mal para a sociedade, não acha?

-  Ah? (Era a segunda vez que usava essa expressão, ela deveria estar me achando um idiota. Mas fazer o que diante de uma pergunta dessa?)

- Antes a gente vinha para um restaurante, sentava, pedia o cardápio, olhava todos os itens, isto geralmente já tomando alguma bebida , até que finalmente anunciávamos o escolhido. Enquanto aguardávamos o banquete, era o momento em que conversávamos sobre a vida, nossas alegrias e angústias. Muitas vezes não importava se o prato demorasse, pois a conversa era o que havia de mais gostoso no almoço.

- É verdade! (Ai, meu Deus, eu não conseguia desenvolver nada)

- E eis que a vida moderna nos apresentou o self-service, onde você coloca o que quiser no prato, senta, come e vai embora. Interagir pra que? Com quem? Você não acha?

- Acho! (Mais uma!)

A verdade é que o self-service nunca mais foi o mesmo para nós dois. A conversa fluiu. Deixei de ser monossilábico e desenvolvi o diálogo. Falamos sobre muita coisa: restaurantes, culinária (ela tinha o gosto bem diferente do meu), trabalho, família, solidão, amor, casamento, filhos...

Nosso discurso virou prática. Ficamos casados por 15 anos. E naquele feriado era sempre a mesma coisa. Eu chegava no dito self-service e o gesto era sempre o mesmo.

- Quer sentar aqui comigo? – ela repetia.

Foi ali, naquele mesmo lugar, que a pedi em casamento, onde ela anunciou que estava grávida e também onde anunciei que estava desempregado. Lá foi também o local em que celebramos a sua formatura, a sua contratação em uma ótima empresa, a minha promoção... Lembro bem do primeiro feriado com o nosso filho, e também do dia em que não pudemos ir, pois o pequeno estava doente. E foi naquele self-service que nosso amor ficou sem gosto... Era o fim da nossa mais longa refeição!

- Não dá mais, o gosto já não é o mesmo! – ela anunciou

Engasguei e chorei, enquanto ela seguia. Não sei se para um jejum ou para experimentar novos sabores...

No ano seguinte, após o fim do nosso casamento, lá estava eu. Não teria uma segunda chance? Não dava para temperar um pouco mais aquele relacionamento a fim de que ele voltasse a ser saboroso para nós dois? Parecia que não...

Parecia. No feriado deste ano, fiquei com medo de ir. Afinal, poderia me machucar. Ela não ia aparecer e mesmo que aparecesse, o que isso significaria? Resolvi ir!

Prato na mão, olhei de um lado para outro e nada. Sentei, naquela mesma mesa do primeiro dia. Cabeça baixa, pensativo, quase me conformando...

- Posso sentar aqui com você. O restaurante está lotado! – A voz era a mesma!

- Claro que sim! – Fui logo puxando a cadeira

- Nossa, como você mudou!

- Por que você diz isso?

- Seu prato está tão colorido. Nem parece aquele gororoba do dia em que gente se conheceu.

- Você achou é? (Eu sabia!)

- Claro, tudo misturado. Parecia que estava morto de fome.

- Pois é, tive de mudar a alimentação! Sabe como é, né? Idade avançando, doenças aparecendo...

- Sei como é isso, não? – disse sorrindo. O mesmo sorriso da primeira vez. O tempo parece que não havia passado.

Eu simplesmente ri. E voltamos a conversar sobre tudo: vida, trabalho, sexo, casamento, separação, filhos... O sabor era de comida requentada mesmo, mas nem por isso menos saborosa. Ficamos por mais de uma hora conversando e fomos convidados a nos retirar pelo dono do restaurante.

- E agora? – perguntei com água na boca!

- Agora, cada um vai para a sua casa! – disse ela!

Despedida sem sal para um relacionamento em que experimentamos todos os gostos e sabores. E no próximo feriado? Qual gosto terá minha refeição?

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sinal dos tempos

É, amigo, o tempo passa!

Percebo que ele realmente passa depois de uma jornada de afazeres domésticos. O simples fato de varrer minha casa mostra que já não sou mais aquele ser cheio de vitalidade. Mas isso acontece não porque minhas costas doem, ou por ficar facilmente cansado, mas pela quantidade de cabelo que tenho de recolher pela casa. É fato: estou ficando calvo (Careca é uma palavra forte demais e me recuso a usá-la). Como diria a velha propaganda de shampoo: “Ei, ei, você se lembra da minha voz? Continua a mesma. Mas os meus cabelos, quanta diferença”. E que diferença!

Outro dia resolvi jogar futebol com meu filho e uns amiguinhos dele em um campinho próximo de casa. E mais uma vez recebi o sinal de que o tempo realmente passou. Com a bola dominada na defesa, olho para o garotinho lá na frente, tudo pronto para um lançamento perfeito que deixaria o pivete na cara do gol. Mas aí ele levantou a mão e gritou...

- Bora, tio, passa a bola!

Tio? Como assim, tio? O tempo em que fiquei paralisado pensando naquilo foi o suficiente para que outro garoto me roubasse a bola, me desse um drible por entre as pernas e chutasse no ângulo. Gol!

- Poxa, pai! Cê tá ficando velho, hein?

Era a sentença final!

Engana-se quem pensa que os sinais param por aí. André, um amigo que não via há muito tempo, me convida para um churrasco na casa dele.

- Vem pra cá! Chamei também toda a galera do tempo da escola para que possamos nos reencontrar! Minha família também vai estar aqui!

No dia marcado, assim que cheguei logo tive uma boa surpresa: meus amigos estavam tão carecas e barrigudos quanto eu. Sinal de que o tempo não passara só pra mim. Só mesmo o Fernando chegou lá com um corpo de dar inveja a qualquer adolescente de 15 anos.

- Dieta macrobiótica, galera!

Sei... Pra mim,  aquilo tinha outro nome: anabolizante! Mas deixa pra lá.

O teor das conversas da roda de amigos também tinha mudado. Se antes falávamos de mulheres, farras, projetos de viajar pelo mundo, hoje falamos de casamento – ou divórcios – e filhos. Daqui a pouco – eu espero que nem tão pouco assim – falaremos dos remédios que estaremos tomando para combater colesterol, obesidade, impotência (quem sabe?) e por aí vai...

Nossa amizade começou com festinha onde havia bolos e brigadeiros, consolidou-se nas comemorações de 15 anos, hoje se fortalece com os casamentos  e um dia nos encontraremos nos nossos velórios. É a vida!

Tudo ia bem no churrasco, contamos as mesmas piadas, rimos das mesmas situações em que dávamos gargalhados anos atrás, tudo na mais perfeita harmonia. Até que ela surgiu!

A Claudinha era a irmã mais nova do André. Costumávamos freqüentar a sua casa, pois era a única que tinha um espaço bacana para a gente bater uma bolinha e conversarmos besteira. E era comum a gente ver a Claudinha – ainda com três anos - passeando de calcinha pela casa. Brincávamos com ela que sempre arranjava um motivo para nos fazer rir. Era uma criança adorável, todo mundo queria pô-la no colo e mostrar aquele anjinho. Mas o que eu não imaginava era que o anjo tinha virado uma deusa.

- Rapaz, quem é aquela ali? – perguntei boquiaberto.

- É a Claudinha, irmã do André!

- Sério? Cara ela tá linda, né?

- Linda e ...

- Gostosa! – interrompi.

- Ia dizer inteligente... Com 18 anos já está no segundo ano de Medicina!

- Poxa, o tempo passa mesmo!

André se aproxima da gente e nos abraça.

- Muito bom ter vocês aqui depois de tanto tempo. Sinal que a vida passa e nossa amizade continua a mesma.

- Continua a mesma, mas a Claudinha... Quanta diferença!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Marcas

Dói. Dói mais na alma do que na carne. A marca está lá, no peito esquerdo, bem próximo de onde fica o coração. Não sei como ela foi parar lá, muito menos o significado. Se alguém souber alguma pista, por favor, me avise!

É o seguinte.  Havia chegado a três décadas de vida sem ter cometido algo que não sei se era motivo de orgulho ou de frustração.  Nunca havia tomado um porre! Todos os meus amigos e várias de minhas amigas contam as histórias mais inusitadas das noites de farras em que beberam até simplesmente perderem a noção do que fizeram. Beberam, caíram e não levantaram. Eu já tinha bebido, mas até cair jamais...

Resolvi preencher essa lacuna da minha vida nada boêmia, mas mal sabia eu que aquela noite iria deixar uma marca para toda a minha vida.

Era uma quarta-feira, saí de casa determinado. É hoje! E como queria uma noite só minha, resolvi não envolver ninguém. A começar pelo dia da semana. Era jogo decisivo da Seleção Brasileira. Muita gente estaria em casa. Não liguei para nenhum amigo, muito menos avisei a ninguém da família. O porre era meu!

Comecei em casa. Comprei algumas garrafas de cerveja para ir tomando umas enquanto me aprontava para aprontar.

Queria beber até cair, mas como a responsabilidade ainda falava mais alto, chamei um taxi.

- Boa noite, senhor!

- Só vou saber se vai ser boa mesmo se você me levar para a melhor festa da cidade hoje.

- É pra já, senhor!

E assim foi. Dei uma checada antes para saber se não havia nenhum conhecido na porta e resolvi entrar. Fui logo para o balcão.

- Amigo!

- Ah?! – Era difícil ouvir naquele barulho todo.

- É o seguinte: eu tô a fim de tomar todas hoje. Não quero saber de dançar, nem que música tá tocando, o que eu quero mesmo é beber.

- Mas o senhor quer beber o quê?

- Sei lá, qualquer coisa que me faça esquecer dos meus problemas. Dizem que quando a gente bebe muito, aquele diabinho que fica pertubando no ouvido da gente fala mais alto né?

- Isso mesmo!

- Pois eu quero que o capeta grite bem alto!

- Espera um pouco!

O barman deu um sorriso sarcástico e deve ter feito a mesma cara de  Pôncio Pilatos ao mandar o Salvador para a cruz, enquanto lavava as mãos: “se é isso que você quer, é isso que vai ter”. Ele cochichou no ouvido da garçonete que rapidamente passou por debaixo do balcão e entrou em uma sala que parecia a administração. Voltou de lá em pouco tempo com uma pequena garrafa, arredondada, sem rótulo, do vidro escuro e pôs no balcão. O barman virou-se pra mim.

- Com essa aqui não só o diabinho vai falar alto como vai convocar todo o inferno...

- É essa mesmo! – E fiz o gesto de quem queria aquilo tudo para mim.

- Epa, epa! Não é assim não! Custa caro!

- Não vai dizer que tenho de vender a minha alma!?

O barman riu, negociamos rapidamente o preço daquilo que até hoje não sei o que é e comecei a noite mais louca da minha vida. Isto é, terá sido a mais louca mesmo? Porque a única coisa que me lembro realmente é de ter tomado duas doses, pequenininhas daquela bebida. Daí, então, não sei o que fiz, se bebi o resto da garrafa, como voltei pra casa, nada...

Só sei que hoje é sexta-feira, acordei em casa, a porta estava devidamente trancada por dentro, tem dinheiro na minha carteira, minha cabeça não dói, mas acordei com um pedaço de plástico no peito. Quando observei direito, vi que tinha feito uma tatuagem! Pensei que era daquelas temporárias que basta esfregar com mais força para sair, mas não. Era uma tatuagem mesmo! Uma letra! A letra “N”.

Mas como aquilo foi parar ali? Eu já havia afirmado para muita gente que jamais faria uma tatuagem, pois ficava imaginando como aquela pintura iria ficar em uma pele enrugada com o passar dos anos. E lá estava ela. Por que “N”? Por que no peito?

Seria a inicial das minhas duas ex-namoradas que coincidentemente começavam com N? Ou seria uma nova “N”que surgiu na minha vida naquela noite e tatuei a letra como prova de amor? Mas o “N”também poderia significar um “não”, para eu nunca mais fazer aquilo ou simplesmente um “não” para a vida medíocre que estava vivendo até então? Não sei. Só sei que estou com esse negócio no meu peito e cheio de dúvidas na minha cabeça.

Uma coisa é certa. O primeiro porre da minha vida – que nem lembro se curti muito – havia deixado uma marca pra sempre em mim.

E dói! Dói mais na alma do que na carne as incertezas que agora estão comigo!

P.S. "O pecado é mais saudável e alegre do que a virtude. Aqueles que trocam o vício pela beatice tornam-se velhos feios e desagradáveis." - Rubem Fonseca

terça-feira, 12 de julho de 2011

Má influência

Percebi que a minha solterice estava me fazendo mal não porque eu estava me sentindo solitário demais. Nada disso! As conseqüências negativas estavam surgindo, pois as esposas e namoradas de meus amigos já não deixam eles saírem comigo com a mesma freqüência de antes. Se antes eu era o cara bacana hoje sou a má influência.

Isso ficou claro na última sexta-feira. Vi que estava sendo marcado um encontro entre amigos depois do trabalho e ouvi toda a conversa entre a mulher do Marcão e ele.

- Quem vai?

- Ah, vai todo mundo aqui do trabalho. Cada um vai levar a sua esposa ou namorada e a gente fica lá bebendo, conversando...

- Ele vai?

- Quem?

- Você sabe de quem estou falando! – disse já alterando um pouco a voz.

- Claro que vai! Afinal é nosso colega de trabalho!

- Então, eu não vou!

- Como assim não vai?

- Se ele for ou não vou. - Era o ultimato!

- Mas, por quê?

- Ora, você sabe por quê. Ele fica contando as aventuras sexuais e amorosas dele e todos, sem exceção, ficam de olhos e ouvidos arregalados ouvindo aquilo e deixam de dar atenção a nós, esposas, para escutar o que ele tem a dizer.

- A gente só tá conversando, Laisinha! (Essa tática de usar o nome da mulher no diminutivo é típico do homem que sabe que jamais vai conseguir convencê-la).

- Conversando? Vocês só escutam! De vez em quando um ainda diz: “Conta mais!” E o outro completa: “Os detalhes, eu gosto mesmo é dos detalhes”. Mas o que mata mesmo é que vocês ficam de braços cruzados imaginando todas aquelas cenas que ele descreve e ao final todos, sem exceção, soltam aquele: “Ai, ai!”.

- Como é que é?

- Sei que ele é seu amigo, que já te ajudou bastante, mas precisa dizer o tal do “ai,ai”. Esse “ai,ai” é que mata.

- Tudo bem então. Vou falar para a turma que ele não vai.

E o Marcão chegou e contou toda a história que eu já tinha ouvido. Daqui a pouco o Cadu, o Paulo, o Cabeça, enfim todos os amigos que tinham namoradas ou esposas. Estava excluído do grupo! Arrumar alguém era urgente, ou não.

- Cara,você ficou chateado? – perguntou o Marcão.

- De jeito nenhum. Já fui casado e sei bem como é isso.

- E você, vai fazer alguma coisa hoje?

- Claro. Rapaz, conheci uma garota na semana passada que é um espetáculo. E umas primas delas chegaram hoje e estão todas hospedadas na casa dela. Acho que vou sair com elas.

- Sério? Conta mais!

- O final da história, meu amigo, na segunda-feira eu te conto.

- Ai, ai!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

C.R.I.S.

O maior mistério da humanidade não é se existe vida em outros planetas. Muito menos a eterna pergunta de onde viemos e para onde vamos. Engana-se quem pensa que é: será que conseguirei pagar minha fatura de crédito no final desse mês? Pra mim, o maior mistério da humanidade é: o que se passa na cabeça de uma mulher? Oh, negocinho complicado esse!

Dia desses comentei com uma amiga.

- Vocês deveriam vir com um manual de instruções!

- Amigo, nem a gente se entende! – respondeu sabiamente, como elas sempre são.

É, se nem elas conseguem se decifrar, imagine o que significa essa tarefa para nós homens.

Foi tentando entender o comportamento da Cris que me deparei com o maior mistério da humanidade. Como é que um ser tão bonitinho, tão pequenininho, pode ser tão complicadinho?

Não conseguia entender as mudanças de comportamento, as aproximações e os sumiços, o abraço e a palavra mais dura, a admiração e a chateação, nada disso. Ficava me questionando por que. Onde estará o erro? Será de fabricação? Ou seria eu que não aprendi a manusear tão bem? Existiria mesmo um erro? Enfim...

Mas foi aí que descobri que Cris não era um nome. Muito menos um apelido carinhoso com o qual ela gostava de ser identificada. CRIS é um código que ainda estou tentando decifrar. Ela deve ser um produto fabricado por uma dessas agências secretas do governo criado com o único objetivo de me confundir. Não é a Cris é o C.R.I.S. O que significam as iniciais desse código?  Será que represento uma ameaça tão grande assim, a ponto dessa arma secreta ter sido criada só para me confundir?

Quando fomos apresentados – em uma terça-feira de Carnaval – a C.R.I.S. era a: Carismática, Risonha, Inteligente e Simpática. É claro que me encantei. Mas não demorou muito para aquele código começar a se transformar em um quebra-cabeças.

Foi em uma TPM que descobri  que a C.R.I.S. poderia ser Carrancuda, Ranzinza, Impaciente e Sarcástica. Mas essa não era a fase que mais me chamava a atenção. O que ela era mesmo era contraditória. Quem sabe Carinhosa, Raivosa, Inconseqüente e Sábia. Não, não poderia ser...

Eu tinha de descobrir aquele código! Aquelas quatro letrinhas poderiam até não ter um significado tão claro para mim, mas já tinham dado um novo significado para a minha vida. Com ela eu me sentia mais Carinhoso, Responsável, Inovador e Seguro.  Era o código tomando conta de mim.

A verdade disso tudo é que independente do que venha a ser significado do C.R.I.S., pra mim ela vai ser sempre a Cris. Assim mesmo, cativante, rara, instigante, sensacional e todas as demais qualidades e (e por que não) defeitos que cabem em todas as mulheres.


Nota do Baixinho: Esse texto foi publicado inicialmente no blog O Beijo - http://obeijo.wordpress.com/ - da pessoa que me inspirou para que ele fosse escrito. Como ela publicou de lá, eu resolvi publicar daqui! Espero que gostem!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O bom português

Cansado de relacionamentos improdutivos, resolvi colocar um ponto final em todas as vírgulas que apareceram na minha vida. Chega das dúvidas das interrogações, das surpresas das exclamações e das incertezas das reticências. Quero algo mais concreto! Nada do tipo: oração subordinada substantiva completiva nominal. Quero algo simples! Deixar de conjugar os meus verbos na incerteza do futuro do pretérito e viver algo no presente do tipo mais-que-perfeito. Se esse tempo verbal não existe, quero viver um neologismo, algo novo, porém só meu.

Apaixonado pela língua portuguesa como sou, resolvi criar uma fórmula para fugir daquilo que mais me irritava em uma mulher: os erros de português.

Tudo começou com a Clarinha. Linda, educada, extremamente gentil.

- Um doce! – Dizia a mamãe.

Mas houve aquele fatídico jantar na casa de um casal de amigos. Até então, eu já havia percebido alguns erros de concordância na fala da Clarinha, mas naquele dia ela ultrapassou todos os limites da minha paciência.

Tudo começou quando, sem querer, Clarinha derrubou o copo de cerveja que trazia gentilmente para mim da cozinha. O barulho assustou os três que estavam na sala.

- O que foi isso?  - perguntei.

- Nada, “foi” eu que derrubei o copo!

- Como? (Mais que a tragédia de um copo quebrado e a cerveja derramada no tapete importado dos nossos anfitriões, o que me chamou atenção verdadeiramente foi aquele “foi”. Por isso que insisti na pergunta, afinal barulho de um copo caindo ao chão não precisa de uma explicação tão profunda).

- “Foi” eu, amor! Derrubei um copo no chão!

- Não, Clara (O diminutivo carinhoso já foi pro espaço). Fui eu!

- Você também derrubou?

- Não, Maria Clara (Quando o cara fala o nome dela completo é que o negócio complicou ainda mais). O certo é “fui eu”.

- Como é que é? Você acha certo quebrar um copo?

- Maria Clara dos Santos (Xii.. sem comentários). O verbo ser na primeira pessoa do singular do pretérito perfeito é “fui”. Então o certo é “fui eu”.

- Ah, tá! Mas por que essa irritação toda? Besteira!

- Claro que não, Clarinha! Isso é português!

- Então é pra “mim” falar como?

- Não, Maria Clara! Não! É para “eu falar”!

- Mas você já não fala, amor?

- Quando o verbo é no infinitivo não se usa “mim”, mas “eu”.

- Usar você pra que mesmo?

- Ai, ai, já chega! Não dá mais!

- Mas o que foi, agora? Olha, “fazem” três meses que estamos juntos e nunca “lhe” vi desse jeito. Ou você vai esquecer todos os momentos maravilhosos que “houveram” entre nós?

Não sei se a quantidade de erros era fruto do nervosismo dela, ou se aquela era ela mesmo. Enfim, foi a última frase que ouvi dela. A Clarinha apagou-se definitivamente da minha vida.

Para evitar futuros constrangimentos, resolvi criar uma tática da carta ou bilhete de amor. Digo sempre para a minha pretendente.

- Nunca recebi uma carta de amor.

- Nunca mesmo?

-Nem um bilhetinho!

- Ah, pode deixar que escrevo uma para você!

Pouco me interessa o conteúdo, estou mesmo interessado no português. A língua portuguesa bem falada e escrita é fundamental para qualquer relacionamento, pelo menos para os meus. Faço a análise morfossintática de cada frase. Em cada oração bem construída vou descobrindo um pouco mais da mulher de minha vida. Observo cada vírgula, cada ponto. Erro de ortografia significa fim de relacionamento, assim mesmo no ato.

Mas um texto perfeito, bem concatenado, de preferência com citações de poetas e grandes escritores, significa que aquele imbróglio pode ir muito além de uma carta de amor.  

Será que ainda vou ter de ler muito?

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Redes Sociais

Hoje em dia não basta terminar o relacionamento e dizer.

-Nunca mais venha atrás de mim! Não me ligue mais!

Hoje é preciso dizer: - Não me ligue mais, me exclua do seu Orkut, não quero mais ser seu amigo no facebook e pare de me seguir no twitter.

Fim do amor na era pós-moderna requer também a exclusão da pessoa de todas as suas redes sociais. Ou vai me dizer que mesmo com o fim do relacionamento você não acaba dando aquela espiadinha no perfil do seu ex?

Com a minha foi assim. No dia em que saí de casa, após longos e bons anos de casamento, coloquei no Orkut: solteiro! Entre as várias perguntas como “O que houve?”, “É verdade?”, “Amigo, acho que invadiram o seu perfil, coisa de hacker com certeza”, “Ufa, até que enfim né?”, a que mais me chamou a atenção foi a da minha ex.

- Poxa, mas logo no primeiro dia?

- Mas foi você quem disse que não tinha volta.

- Mas no primeiro dia?

Enfim... A vida seguiu e sempre estranhei as visitas que algumas amigas próximas dela faziam ao meu perfil nas redes sociais.

Outro dia, criei um perfil no twitter para poder acompanhar notícias e fofocas a respeito de tudo e de todos. Essa sensação de você estar sendo seguido por centenas de pessoas é meio estranha. Dia desses comecei a conversar via facebook com uma menina que me deu uma cutucada (será que não tinha outro jeito menos incômodo de chamar atenção, afinal odeio quem me cutuca). Papo vai, papo vem e ela:

- Soube que você saiu com a Alessandra?

- Soube? Como?

- Tá lá no perfil dela: “Noite inesquecível na companhia de @eltonviana”.

- Ela escreveu isso?

- Sim, tá lá!

- Mas a sua noite pode ser mais inesquecível que a dela...

- Sei...

Acabamos o papo deitados na rede, abraçadinhos, aqui na varanda do meu apartamento.

Os relacionamentos através das redes sociais começam da maneira mais esquisita.  Você nunca viu a criatura, não sabe nada sobre ela (uma olhada básica nas comunidades que ela participa é sempre revelador) e geralmente informações como idade, peso e altura (esta última bastante importante para mim) a gente costuma dar uma melhoradinha. Um centímetro a mais aqui, dois quilinhos a menos acolá e a data de nascimento que nada condiz com a foto são mais que comuns. Mesmo sabendo dos riscos, resolvi arriscar.

Com umas me dei bem, outras eu exclui logo na primeira conversa, outras me deletaram me chamando de “mentiroso”, enfim continuava à procura de alguém que fique conectado a mim.

Foi pensando nisso que acabei procurando alguém que não entendesse nada de internet. Agora pra mim a mulher perfeita deveria pronunciar a seguinte frase: “Ah, esse negócio de computador não é para mim!”.

Assim encontrei Isaura na fila de um supermercado preenchendo um cadastro para um sorteio de um Ipad.

- Aqui pede um tal de e-mail. Eu não tenho!

- A senhora não tem? – respondeu a funcionária da loja

- Não, por quê? Algum problema? Odeio esse negócio de internet, computador, meu negócio é olho no olho.

Saiu sem preencher a ficha completamente. Ouvi aquela frase de longe e corri para tentar puxar conversa de alguma forma. (Explicação! Tenho um defeito: nem tudo aquilo que escrevo tenho coragem de falar. Meus últimos relacionamentos sempre vieram através das redes sociais e no ambiente virtual não sou tímido. Tanto que a frase que mais escuto quando encontro a garota pessoalmente é: “Nossa como você é diferente!”. Enfim, voltemos ao supermercado!)

- Os ovos! (Meu Deus, como é que se começa um diálogo desse jeito)

- O quê?

- O empacotador colocou os ovos na parte de baixo do carrinho, podem quebrar!

- Ah, obrigada!

- Quer ajuda para carregar as compras? Não cobro nada! (Mal sabia ela que iria pagar um preço alto por aquilo: me aturar).

E fomos até o carro. Claro que puxei uma conversa!

- Preencheu a ficha do sorteio?

- Eu não! Pedia e-mail e odeio internet. (A frase de novo!)

Compras no porta-malas, elogios feitos, telefones trocados, aperto de mão e enfim tinha encontrado a mulher perfeita.

Era tão avessa a internet que um dia fui surpreendido com uma carta escrita à mão na minha caixa de correios. Nada de seguir em twitter, nenhuma cutucada no “face”, se fosse desonesto poderia até deixar no meu perfil a palavra “solteiro”, afinal ela nunca acessaria mesmo.

O namoro ia bem, até que ela começou a trabalhar em uma empresa de consultoria. O salário era excelente, poderíamos começar a planejar um casamento, mas sempre tem uma desvantagem.

- Amor, lá na empresa disseram que eu preciso estar envolvida com as redes sociais. Preciso que você me ajude com isso, pode ser?

- Como assim?

- Twitter, facebook, Orkut, MSN, tudo isso que eu não entendo absolutamente nada e agora preciso entender. Você me ajuda né?

Isaura foi contratada e em pouquíssimo tempo já assumia a função de gerência na empresa. Ficou conhecida por sua habilidade em fazer relações através das redes sociais. Enquanto isso, estou solteiro de novo...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Cuba: a revolução

Ernesto nunca pisou em solo cubano, jamais comungou dos ideais socialistas da ilha, mas foi por causa de Cuba que aconteceu a grande revolução do seu casamento. Não exatamente por causa daquele pequeno país da América Central, mas por causa da bebida que leva o mesmo nome.

A tal Cuba Libre talvez seja a bebida mais contraditória que existe. Afinal leva o nome de um país que ficou marcado por ter adotado o regime socialista, sendo que é preparada com rum e Coca-Cola – uma das marcas do capitalismo. Talvez seja por isso que só mesmo a Cuba Libre foi capaz de libertar uma pessoa tão contraditória como a Carminha foi naquele dia.

Até aquele fatídico dia, Carminha se orgulhava de nunca ter bebido. Uma vez, vendo Ernesto tomar uma caipirinha resolveu provar.

- Vixe! É forte, né?

E desde então nunca mais ela fora visto sequer experimentando qualquer bebida.

Mas o casamento dos dois – que já durava oito anos – estava caindo na rotina. O único beijo que eles trocavam durante o dia era quando Ernesto saía para trabalhar. Quando voltava para casa, já de noite, ela estava ocupada demais fazendo as contas e gritando com o Claudinho, filho deles.

- Oi, amor! Boa noite! – falava Ernesto aproximando-se do rosto de Carminha. Quando os lábios estavam próximos de se tocar...

- Claudinho, menino! Desce do sofá agora!

Era mais uma tentativa frustrada de beijo!

- Olha, Ernesto! Esse menino tá cada dia mais impossível!

Algo precisava ser feito. Mas Ernesto, como a maior parte dos homens, não sabia o que fazer. Foi então que Carminha resolveu tomar a iniciativa.

Era uma sexta-feira 13. Logo cedo Carminha despachou Claudinho para a casa da irmã, com a proposta de suborno para a sobrinha cuidar do menino malino.

- Te dou R$ 50,00 e um vestido novo! - disse para a sobrinha que apenas sorriu feliz!

Ernesto chegou à casa, estranhou a meia-luz e as velas espalhadas pela sala.

- Boa noite, amor! Tá faltando energia?

- Não insensível. Preparei uma noite especial para nós! – E deu um beijo nele como há tempos não dava. Um BEIJO mesmo, maiúsculo, intenso, forte. Assustado, Ernesto perguntou:

- O que houve?

- Nada, cansei da nossa vida medíocre. Precisamos revolucionar!

- Como assim, Carminha?

- Ernesto, faça jus ao seu nome. Um revolucionário argentino! Vamos mudar tudo em nossa relação. Chega dessa história de fingimentos que nos acostumamos a viver. Basta de dizer que está tudo bem, quando na verdade nosso casamento não existe há tempos. Quero beijos quentes e molhados e não uma bitoquinha seca com gosto de pasta de dentes. Não quero mais visitar sua mãe todos os domingos. Quero um jantar a dois, só nós! Não quero fazer amor só na nossa cama, mas em todos os cômodos da casa. Quarto, sala, banheiro, cozinha, área de serviço, até na varanda!

- Na varanda? E os vizinhos? As pessoas vendo?

- Seria uma demonstração de amor e não um assassinato! Quem sabe as pessoas vendo aquilo, seriam mais amorosas  e o mundo bem melhor.

- Que idéia é essa?

- Revolução, amor! Revolução!

- Carminha, você está bem?

- Estou ótima – e se aproximou mais uma vez dele, segurando o cabelo seu cabelo com força e se aproximando do pescoço suado dele!

- Você bebeu?

- Sim! Duas Cubas, só duas Cubas!

Estava explicado. Aquela não era a Carminha. Ou era? Afinal parece que quando a gente bebe, o ser oculto que mora em nós finalmente consegue se libertar. A bebida provoca a tal revolução que a Carminha tanto propalava! Falamos aquilo que sempre queremos, mas nos censuramos. Somos capazes de chorar copiosamente e rir sem vergonha alguma. O homem sério e educado pode se transformar num safado sem-vergonha com apenas duas caipirinhas. A mulher pura a recatada se transforma na amante quente e verdadeira – até demais!

E Ernesto estava vivendo aquilo na sua casa, tudo por causa de duas cubas!

- Vem cá! Vem cá! – Dizia a Carminha enquanto Ernesto já com a roupa toda rasgada e com os braços arranhados fugia dela.

- O que você pretende?

- Quero fazer a revolução! Venha, avante companheiro!

Não dava para ele! Aquela não era a Carmem! Era outra pessoa! Seu olhar era diferente, seus ideais não condiziam com a idéia de revolução. Sabia que o casamento precisava de mudanças, mas elas poderiam ser lentas e graduais e não através de uma revolução. Pobre, Ernesto! Pensava em uma estratégia de fuga enquanto se escondia debaixo da cama.

- Onde você está desertor? Não fuja. A revolução está por vir!

Aproveitando que ela foi servir mais uma dose, Ernesto fugiu de casa pela porta da área de serviço.

- Volta aqui! – Gritava Carmem da varanda, com os seios para fora e sempre com o copo de Cuba na mão. – Volta desertor! Hoje é a noite da revolução!

Não, definitivamente não era! Se mudanças eram necessárias, Ernesto, como bom republicano, acha que deveriam mandar primeiro um projeto de lei, negociar com os parlamentares e só então uma lei ser promulgada em que ficariam estabelecidas as regras das mudanças necessárias para que seu casamento continuasse. Nada de revolução!

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Tão diferentes...

Ah, elas aparecem! Não tem como, nem porque, nem data, sabe-se apenas que elas sempre aparecem. Falo das diferenças! E é justamente a forma como você as encara que pode fazer com que o relacionamento ganhe um gosto especial ou amargo demais.

Sabe aquela história de ela apertar a pasta de dentes no meio quando você prefere que ela seja usada de baixo para cima? Ou quando você gosta da aba do papel higiênico para cima e ela insiste em colocar para baixo? Capuccino quente o gelado? Carne magra ou gorda? Rock ou forró? Coca-cola ou suco? Praia ou serra? Fidelidade ou relação aberta? Tudo depende da sua disposição aceitar ou encarar as diferenças.

Muitas vezes criamos padrões para as pessoas com as quais queremos nos relacionar. Inventamos fôrmas e pretendemos que as pessoas se adeqüem a elas. Aí está o maior erro. Por que as pessoas têm de ser do nosso jeito? Por que tudo tem de ser na hora em que a gente quer? É esta a causa das nossas grandes frustrações!

Dia desses saí conheci uma garota que parecia ser maravilhosa. Mas, a minha fôrma era perfeita demais para ela. No nosso primeiro encontro ela foi logo mostrando a que veio. Nada daquele negócio de romantismo demais. Bebeu, fumou, me beijou, subiu no palco e cantou pra mim. No caminho para casa, ela tira o meu CD de “As Melhores da Década de 80” e põe um forró estridente em que a mulher gasguenta canta: “O galinha de hoje é o corno de amanhã!”. Aquele CD não iria chegar ao fim.

Outro dia encontrei uma que cabia perfeitamente na fôrma que eu tinha criado.

- Mas ela é parecida demais com você. Por que não dá certo?

- Por isso mesmo. Parecida demais...

Desse jeito é complicado. Nem diferente demais, nem igual demais. O legal dos relacionamentos é a descoberta. É experimentar aquilo que você jamais experimentou e mesmo não gostando, sentir-se satisfeito por ter feito finalmente algo diferente.

Era o que eu estava sentindo com a Flávia. Aquela história de descobrir algo novo não apenas no outro, mas em você mesmo. Por exemplo, existe coisa pior para os homens do que fazer comprar roupas com sua mulher? Elas passam horas, provam de tudo para, muitas vezes, escolher a primeira que tinham experimentado.

- Tinha de ter certeza, né amor? - diz ela com um sorriso pelo qual eu me derretia todo.

Com ela estava sendo diferente. Eu que nunca fui um sujeito muito paciente estava prestes a me candidatar a buda. Com ela ficava ali, horas e horas vendo-a calçar dezenas de pares de sapato.

- Esse ou aquele?

- Prefiro esse!

- Mas aquele ficou tão mais...

- Então leva!

- Mas você gostou mais desse... Ah, olha aquele da vitrine!

E ela sai para experimentar o décimo quarto par. A pobre da vendedora olha pra mim já desesperada e pergunta:

- Ela é sempre indecisa assim?

- Sempre!

- E o senhor tão paciente...

- Pois é. Nem eu sabia que era assim!

Depois de passar duas horas sentado ela sai satisfeita com apenas um par de sapatos na sacola. Agora vamos almoçar.

- Tô afim de uma saladinha!

- Tem certeza? Não seria melhor uma (estava doido por um pedaço de picanha mal passado)...

- Não. Vamos comer uma comidinha saudável!

Aquele prato verde demais me assutou, mas estava disposto a encarar.

Aí vem a surpresa!

- Sabe o que eu acho?

- O quê?

- A sandália roxa era muito mais bonita! O que você me diz?

- Mas essa que você escolheu é uma cor diferente!

- Você acha? Não devo ir lá trocar?

- Não. Adoro cores e coisas diferentes...

Tão diferentes...

domingo, 8 de maio de 2011

Substituições

A cena é clássica. O atleta rebolando na beira do campo, pronto para entrar. Sobe a placa com o número do jogador que deve deixar o campo. O substituído olha lá de dentro: “Sou eu mesmo?”, deve pensar, e sai esbravejando. Passa e nem cumprimenta seus amigos que ali estão e nunca – não adianta ser hipócrita - , nunca mesmo torce pelo sucesso daquele que entrou em seu lugar.  É mais ou menos assim que acontece  quando, após o fim dos nossos relacionamentos, descobrimos que fomos substituídos.

Saber que aquele (a) que está entrando na vida do nosso ex-amor (se é que isso existe) pode desempenhar um papel bem melhor que o que você tentou desempenhar, é meio perturbador. É caso daquele jogador que entra em campo no seu lugar, faz o gol do título e sai como herói.

Acredito que a substituição é um dos momentos mais difíceis da pós-relação. Encontrar pela primeira vez com sua ex de mãos dadas com o seu substituto é como dar de cara com o fracasso. É quando encontramos o nosso orgulho e descobrimos que todos podem ser substituídos. Não existe o tal do luto após o fim do relacionamento. Se aparecer alguém melhor que você (e no meu caso isso não é tão difícil), sua ex vai sim aproveitar a oportunidade.

Na primeira vez, você logo olha o cara de cima abaixo e pensa: “Ela me trocou por isso?”. Se o cara for bonitão, aí é que a coisa fica feia – pro seu lado é claro.

- Poxa, ele é um gato! – comenta uma “amiga” sua.

- Mas olha o cabelo dele. Certeza que daqui a algum tempo ele vai ficar careca! E ela odeia os carecas...

- Mas o cara usa rabo de cavalo!

- E daí? Olha aquelas entradas no cabelo dele! Careca, com toda certeza!

Pior é quando o cara é gente boa. Todos elogiam seu comportamento e não sabem como a sua ex perdeu tanto tempo com um cara complicado como você. O ápice da substituição do “complicado” pelo “gente boa” é quando seu filho chega de roupa nova, cabelo cheiroso e apresenta um novo brinquedo para você!

- Cara, que brinquedo bacana! Ganhou de quem, do seu avô?

- Não pai, do Alberto!

- Ah? De quem?

- Do Beto, pai, o namorado da mamãe!

E o que era um simples brinquedo vira um instrumento de tortura para você.

- Vem brincar, pai!

- Não, filhão! Acho que alguém me chamou lá dentro!

E assim a vida segue. Entra um, sai outro, daqui a pouco o que entrou pode vir a ser substituído também (quem sabe até pelo mesmo que ele substituiu) e vamos seguindo nossas vidas conforme as substituições!

Disso tudo só tenho uma certeza: aquelas entradas no seu cabelo não me enganam! Careca, com certeza!

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Uma simples caminhada

Até hoje ninguém entende o sumiço do Carlinhos. Bom marido, filho atencioso, profissional competente, era aquele sujeito que todo mundo considerava “gente boa”. Nunca faltava à missa aos domingos, cavalheiro daqueles de abrir a porta para suas companhias, sincero sem ser grosseiro, gentil, enfim o tal “genro que toda sogra sonha em ter”, o “filho perfeito”, “o homem ideal”. O grande erro de Carlinhos era justamente não ter defeitos – pelo menos não aparentemente.

Carlinhos jamais faltava as festas de família, nunca esquecia o aniversário dos amigos, do casamento, levava o filho para passear enquanto a esposa estava no salão tudo conforme reza o estatuto do bom homem. Ele jamais infringia regras, mas eis que um dia...

Não era nenhuma data especial. Não era aniversário de ninguém, nenhum membro da família ou amigo havia morrido ou nascido. Era um dia normal, como normal era a vida de Carlinhos. Dalva, sua esposa, nunca esquecera.

-Amor, vou caminhar um pouco!

Colocou um tênis, roupa leve, deu um beijo em sua cabeça e disse: “Até breve”.

Passou pela sala, acariciou a cabeça do filho que assistia a TV e saiu pela porta. Já era tarde! Muitas vezes acontecia de Carlinhos sair para caminhar na pracinha que ficava próxima à sua casa e ficar conversando e divertindo os amigos que lá encontrava. Por isso, a esposa não estranhou quando ele não voltou cedo. Carlinhos não era de fazer besteira.

Mesmo quando Dalva passou a mão no lado da cama e percebeu a não presença dele, ela estranhou. Era comum ele dormir na sala, pois não queria atrapalhar o sono da esposa que dormia profundamente àquela hora.

Somente pela manhã, quando percebeu que ele não fizera o café para o casal é que ela notou que algo estava errado.

- Amor?

Silêncio.

-Carlinhos? Onde você está? Tudo bem?

Silêncio.

- Você viu seu pai?

-Não. Ele nem foi me acordar hoje!

- Deve ter ido trabalhar mais cedo. Mas ele não comentou nada comigo...

Mais tarde, ela resolve ligar para o trabalho de Carlinhos e descobre que depois de 10 anos de dedicação à mesma empresa, sem nunca ter faltado ou chegado atrasado um dia sequer, ele não havia ido trabalhar.

E aí começaram as ligações. Casa da mãe, do melhor amigo, da avó que ele costumava visitar sempre, nada.

E mais ligações, desta vez para Polícia, Hospital, UTI, nada, nenhuma notícia...

Onde ele andaria? Com quem? Estaria morto ou finalmente teria despertado para a vida? Continuava em sua caminhada? Por que ele fizera isso? Perguntas eram muitas, respostas... nenhuma.

E assim se passaram: horas, dias, semanas, anos e anos sem notícia do Carlinhos.

Amigos mais próximos nunca souberam explicar direito o que acontecera. Alguns diziam que ele estava cansado da vida medíocre que sempre levara. Um dia finalmente ele resolvera ouvir o “capetinha”- aqueles de desenho animado que sempre estão próximos ao nosso ouvido – e deixar para trás aquela vida certinha demais, perfeita demais ...

De que adiantava abrir portas para os outros se na vida de quem ele realmente gostaria de entrar a porta estava sempre fechada? Pra que ser gentil, arrancar gargalhadas dos outros, se a vida nunca o fazia rir? O que importava estender sua mão  para tantas pessoas, se os outros só ofereciam socos? Carlinhos estava cansado... só podia ser!

A esposa jamais o esquecera e sempre perguntava: “Por quê?” Os amigos sentiam falta daquele camarada que sempre chegava com uma piada, um sorriso e sempre questionavam o que havia acontecido. Nos jantares da família, sempre havia aquele sentimento que Carlinhos apareceria da sua longa caminhada. O filho lembrava o pai atencioso e sempre ia caminhar na praça ao lado da casa na esperança de que um dia seus caminhos se cruzassem.

A longa caminhada de Carlinhos talvez não tivesse um fim, ninguém sabia o motivo nem o objetivo. Se a sua vontade era deixar de ser coadjuvante na história dos outros e passar a ser protagonista de sua própria história, finalmente ele teria conseguido. Toda grande jornada começa com um primeiro passo!

...

Passados alguns anos, Dalva preparava o jantar para seu neto que chegaria dali a alguns instantes. Seu filho, como sempre fazia aquela hora, estava na praça caminhando. E eis que o noticiário da noite anuncia a curiosa história de um homem que estava percorrendo o interior do Mato Grosso do Sul. Ninguém sabia exatamente quem ele era, mas já havia virado uma espécie de lenda por onde passava. A única coisa que diziam a seu respeito é que ele falava coisas bonitas e mensagens boas enquanto caminhava. Sempre gentil e com um sorriso no rosto, cumprimentava a todos e seguia caminhando.

Dalva parou em frente à TV para acompanhar a reportagem. Sentou calmamente e pensou: "Será?". O repórter contava, através de depoimentos das pessoas, a saga do homem que caminhava. No fim, eis que finalmente o repórter cruza o caminho dele. Câmeras posicionadas, microfones a postos...

- Cheguei, vovó, cheguei!

- Hã, sai da frente Carlos Neto!

- Não vovó, me dá um abraço!

- Sai da frente, a vovó quer ver a reportagem!

- Ah, não, vovó!

- Carlos Neto, me devolve esse controle...  Poxa, por que você desligou? Liga, por favor!

Quando a TV é ligada novamente, o jornalista está encerrando a reportagem com a imagem do homem de costas caminhando em direção ao Horizonte. Somente aquela cena e o som dos passos... Sempre caminhando, sempre em frente...

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Um certo diálogo

- Ei, chega mais, chega mais...

- Que foi?

- Vem logo... Olha isso!

- O que é?

- Tá a fim de experimentar?

- Não sei, acho perigoso. Acho que pode machucar?

- Basta tomar cuidado!

- Tenho coragem não!

- Como não? Já estivemos em situações muito piores...ou melhores!

-É verdade, mas nunca usando isso.

- Eu vou encarar!

-Vai só!

- Tem certeza que não vai?

- Claro, cê tá doido! E se chega alguém?

- Aí que o negócio fica bom. A adrenalina vai ser maior! Bora, bora?

- Tá bom, mas esteja preparado para as conseqüências...
...

...

- E aí?

- Nunca mais!

- Sério? Eu gostei!

- Eu também, mas jamais faria de novo.

- Não mesmo?

-Não mesmo!

- Ei!

- Que foi?

- Chega mais, chega mais...

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Dura separação!

Se unir duas pessoas é  difícil, imagine então separar. Um dos momentos mais delicados após o fim de um relacionamento é a separação dos bens. Não a casa, o carro, com quem fica a TV de plasma, nada disso. O bicho pega mesmo quando temos de separar CD’s, DVD’s e livros. Pelo menos no meu foi assim...

- Oi, bom dia!

- Olá.

- Vim pegar alguns livros e CD’s que ainda ficaram na sua casa.

- Fique à vontade. Se precisar de alguma coisa, estou na cozinha! – disse ela meio contrariada.
E lá fui eu para a árdua tarefa. Livros de contabilidade, cálculos, auto-ajuda, alguns clássicos de literatura ficaram na estante. Para a caixa foram crônicas, contos, livros da época da faculdade – que não teriam nenhuma serventia, mas não queria deixar com ela – e é claro, minha coleção de Revista Placar.

- Quer conferir?

- Não faço questão! – disse ela, enquanto fazia uma cara de espanto vendo eu guardar minha coleção de clássicos da literatura espanhola.

- O Gabriel vai com você?

- Quem?

- O Gabriel Garcia Marquez.

- Claro que vai! Foi presente de formatura da minha mãe.

- Deixa pelo menos um pra mim.

- Qual?

E claro que ela escolheu justamente aquele que lemos juntos...

Segui calmamente para a estante de CD’s . Clássicos para ela, rock para mim, MPB da velha guarda na estante, a nova geração encaixotada e aí chegou no samba...

- Quer me ajudar a separar estes?

Olhos assustados e passos apressados vindos da cozinha.

Os clássicos do Noel, Pixinguinha, Nelson Cavaquinho estavam quase todos encaixotados, mas aí veio ela...

- Ah, esse não!

- Como não? Foi presente seu pra mim?

- Mas logo o Paulinho da Viola?

Até então estava tudo certo na separação. Ela tinha ficado com a casa, eu com o carro, valor da pensão estabelecido, mas veio o Paulinho da Viola.

- Não tem acordo, ele vai comigo!

- Ah, por favor!

- Não!

Os olhos dela ficaram marejados.

Liguei a TV, coloquei o CD no aparelho e disse:

- Senta aqui, vamos escutar pela última vez juntos!

Pior é que o CD começava com “Dança da Solidão”: “Meu pai sempre me dizia/ Meu filho tome cuidado/Quando eu penso no futuro/ Não esqueço o meu passado/ Desilusão...”.

Sentados ali, lembramos dos bons momentos que passamos juntos e quando menos esperávamos já dançávamos e ríamos daquela situação.

Última faixa: “Sinceramente / Não sabia que seria assim/Esta chaga dentro do meu peito/Uma dor que nunca chega ao fim/ Este amor foi demais pra mim”. Paulinho cantava exatamente o nosso sentimento.

Fim do CD!

- Toma, pode ficar!

Peguei a caixa de livros, dos CD’s e fui cantarolando rumo ao carro: “Mas é preciso viver, e viver não é brincadeira não...”

terça-feira, 12 de abril de 2011

A culpa é tua!

Na vida, a toda hora somos obrigados a fazer escolhas. O que vestir,  o que comer, com quem sair, pra onde ir, por que fazer... Por mais complicada ou simples que a decisão possa parecer, uma coisa será sempre igual: a culpa e a conseqüência da decisão é toda sua! Seja sobre as escolhas que te fizeram (ou fazem) mal, ou pelas escolhas que te agradaram.

A gente tem a mania de sempre colocar a culpa do nosso infortúnio nos outros. Se formos demitidos do trabalho é porque o chefe não ia com a nossa cara. Se o namoro não deu certo é porque o outro não soube nos valorizar. Se o fulano bebe demais é devido às más companhias (percebem que nunca questionam se o sujeito gosta realmente de beber?).  É um tal de “se” pra lá “se”pra cá, sendo que única certeza que temos de guardar é que a decisão cabe a nós.

Se naquele dia eu tivesse voltado para casa, certamente não estaria passando por isso. A nós é dada a oportunidade de escolha.

Ao invés de procurar nos outros a culpa dos nossos problemas, coloquemo-nos em frente ao espelho e encontremos o culpado de toda essa agonia, angústia, sofrimento, tristeza e todos os sentimentos bons contrários aos que foram citados. Afinal, nem toda escolha é errada.

Não sei se vou ou se fico? Vou de encontro ou corro antes? Sigo ou paro? Falo ou me calo? Digo ou faço? Não sei... Mas tenho de escolher!

A verdade é que do jeito que estão as coisas, não dá para continuar. Preciso tomar uma decisão!

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Novos Sabores

Passado o desafio do primeiro encontro, resolvi encarar a jornada gastronômica que ela me propôs. Deveríamos conhecer a culinária de outros países percorrendo bares e restaurantes de nossa cidade. Depois do japonês, encarei o tal do tailandês, me engasguei com um bacalhau português, sofri demais com a pimenta mexicana, me senti o próprio sheik saboreando comida árabe, adorei o tempero italiano, tive nojo de algumas, outras foram até saborosas... 

A coisa ficou tão séria e o relacionamento tava um negócio tão maluco que ela descobriu um hippie que sabia preparar um prato típico da Papua Nova-Guiné numa longínqua praia ... Claro que fomos experimentar! E claro, mais uma vez que me dei mal!

Mesmo tendo passado por essa aventura, continuava achando que ela era a mulher da minha vida. Era o namoro com mais sabores diferentes que eu tinha experimentado até então.  Mas a conquista de outra pessoa –como o próprio nome sugere – exige uma disputa por território, caso contrário não seria conquista.  Era hora de eu me vingar!

- Posso escolher onde vamos almoçar hoje?

- Sim, claro! Sempre esperei que me surpreendesse com isso (Ela já tinha se tocado de que eu estava fazendo tudo aquilo não pela culinária, mas por ela). Pra onde vamos?

- Surpresa!

Levei-a um dos pontos mais tradicionais da cidade de venda de comidas típicas. Panelada, buchada, rabada, feijoada e tantos outros “adas” que o final só poderia ser também com uma boa ... Deixa pra lá!

- O que é isso? – Ela perguntou

- Ah, amor! É uma buchada!

- Do que é feito?

- (Nem eu mesmo sabia). Experimenta você vai gostar!

Sentamos à mesa e comecei a grande ofensiva pra saber se aquele relacionamento teria um sabor doce ou amargo. A buchada é um negócio meio esquisito. A comida é cozida dentro do bucho do animal. O garçom me explicou baixinho... Ela vem em um formato de bola e é costurada! Enquanto eu tentava descobrir como abrir aquela jeringonça, minha estimada companheira partia a dela com garfo e faca, sem se sujar e dizia:

- Hum, muito bom!

“Pois é, né?” . Se pelo menos eu tivesse conseguido comer, seria excelente.

- O que mais tem no cardápio? – agora sim ela desafiou.

E aí foi um massacre. Comeu feijoada, se lambuzou com a panelada, adorou a rabada e lá pelo fim veio o tiro fatal: galinha à cabidela. Só de pensar que o pobre animal virava refeição no próprio sangue, me dava náusea. Mas ela não quis saber... Comeu! E de um jeito que me surpreendeu.

- Posso segurar a coxa?

Ela segurou. Comia e deixava só o ossinho da pobre galinha! Depois de quase uma hora experimentando novos sabores veio o decreto.

- Adorei a ideia da comida regional. Bela supresa! Muito obrigado! – Terminou de falar, passou um guardanapo pela boca que ainda tinha resquícios  do molho da cabidela e me deu um beijo.

É , eu tinha encontrado uma pessoa que daria um sabor diferente à  minha vida!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Primeiro encontro

Lição número um quando for jantar pela primeira vez com uma pessoa pela qual está interessado: nunca a deixe escolher o local onde vocês vão comer.

Já que não sou muito de surpreender as mulheres, resolvi delegar a minha companheira a missão de escolher onde iríamos jantar. Não que seja intolerante a algum tipo de comida, mas a gente sempre fica meio receoso, pois de repente ela pode dizer: “Adoro comida mexicana, bem muito apimentada!”. Logo pra mim que não sou muito chegado à pimenta.

Mas não foi o caso.

- Boa noite, tudo bem?

- Tudo ótimo. Pra onde vamos?

- Você gosta de comida japonesa?

Depois de dois segundos de silêncio...

- Gosto.

Faz menos de um mês que resolvi experimentar a culinária oriental. E comecei mais por pressão dos outros do que por vontade própria. Nunca esqueço o dia em que todos na mesa comiam sushi e sashimis e eu me deliciava com uma sopa de feijão. “Sopa é coisa de velho”, dizia uma amiga mais próxima.

Mesmo temendo algo, resolvi encarar. E lá fomos nós. O nome do restaurante parecia ser mais assustador do que a comida que estava prestes a ser servida.

Chegamos, sentamos e antes que eu começasse a conversa ela me perguntou:

- Pra iniciar um tataki, tudo bem?

“O quê?”. Pensei eu!

- Tudo bem, adoro (apesar de não ter a menor noção do que estava prestes a ser servido).

O prato – na verdade era uma tigelinha – chegou e até que me surpreendi. Tava gostoso e até que consegui me entrosar logo com o hashi (aquele pauzinho com o qual os japoneses comem).

Conversa vai, conversa vem, e ela resolve pedir um tal de sunomomo.

“Que diabéisso?”. Pensei!

E lá fomos nós. Esse “sei lá o quê” desceu com mais dificuldade. Quem sabe com um pouco de catchup ou maionese teria ficado mais fácil.

- E agora, vamos pedir o quê?

Olhei no cardápio e não entendia absolutamente nada. Agenomo, Yakimono, Nabemono, Sashimi, Sushi, Inarizushi, Makizushi, Nigirizushi, Karaage, Shikasashi, Okonomiyaki, Gyudon. O que eu ia pedir se não sabia nem o que era?

- Pode escolher, confio em ti (nem tanto).

- Vamos de temaki, ok?

- Ótima escolha (espero)!

Veio um negócio com o formato de sorvete, mas passava longe do prazer de um. Era tão complicado de comer como difícil entender do que era feito. Enfim...

Ela comia com uma satisfação tão grande e com uma desenvoltura de quem estava há anos saboreando a culinária japonesa, enquanto eu estava louco para pedir uma colher já que o hashi começava a se vingar de mim.

- Adorei - disse ela - estava tudo maravilhoso! Você gostou?

- Sim - disse eu, enquanto mais uma vez um pedaço de peixe cru me escapava daquele maldito pauzinho! 

- Muito obrigado por tudo. Quando poderemos nos ver de novo?

- Quando você quiser.

- Pode ser na quinta?

- Claro, mas por que quinta?

- É o dia em que aquele restaurante tailandês oferece um prato delicioso.

-Ah, tá!

Que no próximo ano, pessoas não sejam só estatísticas

2010 bem que poderia ser descrito por números. Até o último final de semana, os números da violência na Capital cearense e sua Região Metropolitana fizeram as estatísticas atingirem o patamar de 1.806 homicídios somente neste ano. Um crescimento de 27% da quantidade de assassinatos em relação a 2009.

Além disso, nas rodovias federais o aumento do caso de acidentes com vítimas fatais é assustador. Em 2009, 141 pessoas morreram nas BRs que cortam o nosso Estado. Até o último feriadão, 266 pessoas perderam a vida nas estradas federais. Quase o dobro!

E não para por aí. Diariamente noticiamos a escalada de violência contra as mulheres (somente no primeiro semestre deste ano foram 76 assassinadas, sendo que o número deve estar bem maior), crianças e outras minorias (o número de homossexuais mortos a cada ano só aumenta, foram 200 na última década). Falamos de percentuais, “mais uma”, “de novo”, e tudo vira estatística.

O governo trabalha com estatísticas, pessoas viram números e nos esquecemos das histórias de vidas dela. Quem foram os jovens assassinados vítimas das drogas este ano em nosso Estado? Por que preferiam a “pedra do cão” ao banco de uma escola? Quais seus sonhos, suas angústias? E as mulheres que foram assassinadas por pessoas que juravam amor? Vale a pena somente mostrar que a violência cresceu através de números, ou seria muito mais chocante se conhecêssemos a história de vida dessas mulheres. Por que é tão difícil para o homem entender que uma mulher não o ama mais?

Por que já não nos chocamos mais e entedemos apenas como “mais uma”? Ninguém pode ser mais um. Não queremos que mortes, acidentes, agressões, abusos sexuais virem meras estatísticas. Eu não sou um RG ou um CPF! Cada um é um ser próprio, com identidade, sonhos, angústias e uma história única que não podem ser resumidas a um único número.

Meu desejo para 2011, é que não nos tornemos estatísticas. Não quero ser apenas mais um que fica indignado com tanta violência. Espero que consiga…

As lições da venda do Campo do América

Os campos de futebol de várzea são celeiros de talentos. Neles, as crianças dão os primeiros passos para se tornarem futuros craques. Os jovens podem – ou pelo menos deveriam – ser observados por “olheiros” e garimpados por grandes clubes.

Na várzea, joga-se de pés descalços, sem aquela preocupação com o calor, nem muito menos com a torcida. Lá joga o time com camisa contra os sem-camisa, os casados contra os solteiros, os bêbados contra os sóbrios, enfim. Aprende-se a driblar não somente os adversários, mas principalmente as dificuldades de um campo onde a grama é escassa ou simplesmente não existe. E quem joga bem em um campo de várzea em pouco tempo vira um craque em um gramado de futebol.

Resolvi tocar nesse tema após vir à tona a polêmica em torno do leilão do campo do América. O leilão já foi suspenso, tudo bem, mas bem que os gestores públicos poderiam aproveitar essa oportunidade e discutir com a sociedade de forma mais séria e profunda a criação de espaços de lazer e esporte para a nossa infância e juventude.

Seria bom se em cada bairro de Fortaleza houvesse equipamentos esportivos à disposição da população. Pista de cooper ou de skate, quadras poliesportivas, piscinas públicas, quadras de areia ou mesmo campos de futebol.  Os jovens utilizariam seu tempo ocioso não para beber em bar, ou cair na tentação das drogas, mas para praticar esportes. Nossas crianças e jovens seriam mais saudáveis, nossos adultos menos obesos e as pessoas da terceira idade condições de praticar esportes sem depender de academias particulares.

Não podemos nos esquecer que em 2016, o Rio de Janeiro será sede das Olimpíadas e seria vexatório para o país investir tanto em infraestrutura e esquecer de aplicar os recursos também na formação de atletas. Afinal, acredito que temos condições de ser um país olímpico e não simplesmente o local onde serão realizados os Jogos Olímpicos.

Por isso, espero que toda essa mobilização em torno do campo do América sirva de ponto de partida para que outros espaços para a prática esportiva surjam não apenas em Fortaleza como também em todo o interior do Estado.

O tiro certeiro

A blusa branca manchada de sangue que deveria simbolizar a chegada de um novo ano de paz e prosperidade, de repente ficou marcada pela violência estúpida de jovens que não têm noção do que é amor ao próximo. Como se explicar treinar tiro ao alvo em um pobre homem que guardava carros? O tiro foi certeiro. Não acertou apenas o olho do guardador de carros, mas atingiu em cheio a nossa sociedade. O que acontecerá com os jovens atiradores? Dá pra acreditar na Justiça em um caso desses? Será que este caso vai virar exemplo ou tornar-se mera estatística?

Na semana passada duas notícias chamaram bastante a minha atenção. No domingo, dia 7 de novembro, um grupo de cinco jovens voltava de um campeonato de paredão de som (leiam bem – campeonato de paredão), a 140km por hora, na BR-020 quando o carro colidiu na traseira de um caminhão. Resultado: todos morreram. É a juventude que não respeita leis, nem aceita que o seu limite é quando começa o limite dos outros.

O outro caso foi o de um grupo de jovens que voltava de uma farra. Como o carro quebrou, eles resolveram esperar a oficina abrir consumindo drogas, dentro do veículo, em uma movimentada rua de um bairro nobre da cidade. Resultado: um dos jovens acabou morrendo por overdose.

Afinal que juventude é essa? Pessoas que atiram com armas de chumbinho em pessoas no meio da rua? Jovens que ultrapassam limites de velocidade sem qualquer preocupação com as suas vidas ou com a dos outros que por ali passam? Uma juventude que não teme ser punida por consumir drogas no meio da rua? Gente, que jovens são esses? Eles têm limites? Eles sabem qual o limite dos outros? Onde essa juventude vai parar? Onde nós vamos parar com essa juventude?

A cada dia, surgem novas perguntas e as respostas parecem cada vez mais escassas.  Tomara que o tiro certeiro que aquele jovem acertou no olho do pobre guardador de carros, tenha acertado também o nosso alerta de que algo tem de ser feito. Afinal, na próxima semana não quero escrever novamente sobre mais um caso de jovem sem limites.

R$ 23 milhões saem do seu bolso para manter os presos na cadeia

Nelson é um típico trabalhador do nosso imenso Brasil. Acorda cedo, toma o café apressado, beija a esposa, passa a mão carinhosamente no filho e segue para mais um dia de trabalho. Passa o dia sob duas rodas, arriscando-se entre os carros no complicado trânsito de Fortaleza. Ele tem que fazer entregas na hora adequada para que o cliente não reclame que o produto chegou atrasado. Para poder completar a renda de sua família, Nelson faz bico no fim de semana. Ele trabalha de domingo a domingo para poder juntar pouco mais de um salário mínimo por mês para casa.

Para poder dar uma boa educação para seu filho, a esposa do nosso personagem trabalha como diarista a fim de que seu rebento estude em uma escola particular do bairro e tente pelo menos ter um destino melhor que seu pai.

A vida de Nelson é a mesma de milhares de brasileiros que trabalham muito e recebem uma miséria no final do mês. A assistência do Estado para essas pessoas é praticamente nula.

Mas Nelson não imagina que o seu apurado no final do mês é bem menor do que o Governo gasta para manter um preso. Segundo o coordenador do sistema penitenciário do Ceará, Bento Laurindo, um preso custa, em média, R$ 1.480,00 para o Estado. Ou seja, quase três vezes o valor de um salário mínimo – que hoje é de R$ 510,00. O detento come, tem um abrigo, comida e algumas outras “regalias” à custa do dinheiro público. Dinheiro de contribuintes como Nelson.

O número do gasto com o sistema carcerário se torna ainda mais absurdo quando chegamos ao montante do que é usado somente com os presos em nosso Estado. De acordo com a Secretaria de Justiça, o número atual de presos nas unidades carcerárias do Ceará é de 15.677. Multiplicando isto pelo custo médio do detento, chegamos ao valor de R$ 23 milhões gastos por mês com presos no Ceará. Isso mesmo: para manter os encarcerados o governo gasta R$ 23 milhões por mês.

Muito dinheiro gasto por quem nada dá de retorno para o Estado. O ideal era que fossem feitas parcerias com empresas privadas, a fim de que presos em regime aberto ou semi-aberto tivessem oportunidade de se redimir e gerar impostos e renda. Seria dinheiro circulando fora da cadeia e não gasto dentro dela.

Uma solução para diminuir os gastos com o sistema carcerário em nosso Estado é urgente e necessária. Afinal, não é justo que o nosso querido Nelson pague impostos para um Estado que gasta um absurdo para manter um preso em uma cela e ele próprio tenha de pagar uma escola particular para seu filho, já que o mesmo Estado não garante uma educação de qualidade para os nossos estudantes.

Nosso trabalho de cada dia…

Todo dia é a mesma coisa. Basta colocar o pé na Redação  e contar os minutos (ou segundos) para a primeira chamada do dia. O telefone chama!

- TV Jangadeiro, bom dia!
- É da Jangadeiro?
- Pois não, em que posso ajudar!
-  É porque é o seguinte…

É impressionante. O telefone toca desde os primeiros minutos da manhã até as mais altas horas da noite. Nós que trabalhamos no setor da Produção somos os responsáveis por atender as ligações, trocarmos idéias e definirmos se a denúncia tem valor de notícia ou não. Os problemas são os mais variados, desde um vizinho barulhento que perturba demais a comunidade, passando por graves denúncias de postos de saúde sem médico ou de locais onde drogas são vendidas e consumidas abertamente,  e chegando até mesmo a situações engraçadas.

Uma vez uma senhora telefonou para a TV Jangadeiro para perguntar se poderia matar o marido que não a deixava a paz. Outro ligou para pedir uma reportagem denunciando a diretora de uma escola pelo absurdo cometido contra o seu filho. Segundo ele me relatou, a pobre criança soltara um inocente “pum” na sala e fora suspensa por três dias. Pode parecer engraçado, mas é de surpreender o poder que as pessoas acham que a mídia possui. A televisão, para a maior parte dos telespectadores,  tem a capacidade de resolver todos os problemas da sociedade. Mas, infelizmente, nem sempre é assim.

Por isso, o produtor tem de ser um pouco psicólogo, um pouco assessor jurídico, muito (e põe muito nisso!) paciente e extremamente perspicaz para perceber se aquela denúncia pode ou não se transformar na grande reportagem do dia.

Resolvi escrever esse artigo, pois o Blog da Janga tem como um dos objetivos aproximar mais os internautas do cotidiano das redações. De como se faz notícia, o processo de escolha se um fato vale uma reportagem ou simplesmente uma nota, as etapas de um jornal… E tudo começa, às vezes, com um simples telefonema de um telespectador. Por falar nisso, tenho de encerrar o artigo, pois estou na redação e o telefone já está tocando.

- TV Jangadeiro, bom dia!

Nossas crianças não podem virar estatísticas!

Era um sábado de tarde tranquilo, quando de repente fomos surpreendidos na redação da TV Jangadeiro com a notícia de uma criança baleada na cabeça. O alvo supostamente era o pai, mas a vítima acabou sendo a pobre criança. Graças a Deus, o garoto de apenas nove anos, sobreviveu e está bem.

Outro dia, um menino de apenas sete anos morreu após ser atingido por uma bala na cabeça. Ele estava indo assistir a um jogo de futebol em um campo de várzea próximo à sua casa, quando foi atingido pelo disparo. O pequeno Josias chegou a ser socorrido, mas acabou não resistindo.

Mais um caso grave nesta semana. Um adolescente de 15 anos trocou um inocente video game por uma arma e resolveu mostrá-la aos amigos de sala. A arma disparou “acidentalmente” e atingiu uma estudante de apenas 14 anos. Por sorte, a bala pegou de raspão.

Os casos se sucedem a cada semana e ficamos nos perguntando: quem será a próxima vítima? É a escalada da violência em nossa cidade que parece não ter fim, nem muito menos escolher as vítimas. Pena que cada vez mais sejamos testemunhas de crianças vítimas dessa situação.

Somente neste ano, 44 crianças deram entrada no Instituto Dr. José Frota vítimas de bala, a maioria entre dez e 15 anos. Um dado preocupante, pois as vítimas aparentemente nada tinham a ver com os casos. Foram balas perdidas, tiros acidentais que acabaram acertando em cheio a esperança de muitas famílias.

Chegamos ao final do mês de setembro com mais de 1.200 mortes este ano somente em Fortaleza e na Região Metropolitana. Onde vamos parar com tudo isso? Quais as soluções para essa escalada de brutalidade? Nossa história está sendo escrita com sangue e muitas vezes sangue de pessoas inocentes, de meninos e meninas que sequer tiveram a oportunidade de conhecer o que é a vida.

Tomara que os políticos que tiveram disposição e vontade para conquistar nossos votos, mostrem os mesmos sentimentos para resolver o crescimento da violência. É preciso dar um basta nisso! Nossas crianças não podem virar estatísticas!

Ceará, uma terra de obras inacabadas

É impressionante a capacidade que os gestores públicos têm de começar uma obra e não concluí-la. Basta darmos uma volta por Fortaleza para constatarmos o tamanho descaso com o dinheiro público, seja ele de origem federal, estadual ou municipal.

Quem caminha pela Avenida Beira Mar diariamente se depara com um monstro chamado Jardim Japonês, cujas obras se arrastam há mais de dois anos e não há sequer uma data para que seja inaugurado. Obra da Prefeitura. Mais uma voltinha e nos deparamos com o túnel no cruzamento das Avenidas Humberto Monte com Bezerra de Menezes. A obra aparentemente está pronta, faltaria apenas a sinalização para os motoristas. Aí é que eu não entendo: demora tanto assim para colocar placas e sinalizar o chão? Isto sem falarmos no Hospital da Mulher, uma promessa da primeira gestão da administração municipal e que parece não ter mais fim.

Mas o atraso das obras não é exclusividade da Prefeitura de Fortaleza. Quem trafega pela BR-116 diariamente sofre com a paralisação das obras do Dnit, principalmente as alças que dão acesso a duas importantes avenidas da capital: a Av. Oliveira Paiva e a Alberto Craveiro. São engarrafamentos gigantescos e desvios inimagináveis causados por uma obra que nem deveria demorar tanto assim.

E mais: tem aquelas obras que foram prometidas e nem sequer saíram do papel. As obras incluídas no primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007 pelo presidente Luiz Inácio Lula do Silva, tinham data certa para ser concluídas: 31 de dezembro deste ano. Entretanto, o cronograma continuará no papel para, pelo menos, 60  empreendimentos, que serão “herdados” pelo próximo governo. Alguns projetos já estão em andamento. Outros terão de sair do zero, como as obras de melhorias em aeroportos.  Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo jornal O Estado de S.Paulo com base nos balanços do PAC.

Em nível estadual, não podemos nos esquecer do Metrofor. Uma obra que atrapalha a vida de muita gente que precisa desviar o caminho habitual para casa ou o trabalho e sabe-se lá quando será concluída, afinal prazos de entrega já foram adiados inúmeras vezes.

No próximo domingo teremos a oportunidade de escolher parte das pessoas que administrarão ou escolherão os destinos dos nossos recursos. Temos de estar atentos e sermos responsáveis para escolher pessoas que verdadeiramente cumpram o que foi prometido.  Afinal, de obras pela metade já estamos cheios…

Um convite especial

Um estudo inédito intitulado Índice de Generosidade Mundial, realizado pela ONG Charities Aid com base em questionários do instituto de pesquisas Gallup, apontou que o Brasil ocupa apenas a 76 posição entre os países em que a população mais gastam tempo em ações voluntárias. Os campeões da generosidade são os australianos e os neozelandeses.

Mais do que um simples ranking de países que mais uma vez coloca o Brasil lá embaixo quando o assunto é boa notícia, os dados levam a uma reflexão: nos últimos dias, meses, ou mesmo anos você dedicou algum tempo para alguma ação voluntária?

Em épocas de eleição, como a que estamos vivendo agora, costumamos supervalorizar o poder dos políticos, como se só eles fossem capazes de resolver todas as mazelas de nossa sociedade. Acredito que estamos errados. Para alterar nossa realidade, precisamos, antes de tudo,  mudar as nossas atitudes diante dos próximos. Quantas vezes passamos horas em um bar com os amigos bebendo e gastando dinheiro, quando poderíamos passar o mesmo tempo com a mesma galera nos dedicando em um trabalho voluntário em uma ONG, distribuindo cestas básicas, brinquedos (o Dia das Crianças vem aí) ou mesmo um sorriso?

Se todos nós dedicássemos pelo menos umas duas horas por mês, ou por semana (faça o horário de acordo com sua conveniência) para visitarmos hospitais, irmos a um orfanato, ouvirmos os velhinhos nos seus abrigos, fazer um mutirão de limpeza nas praias, ou qualquer outra atividade que melhor lhe convenha teríamos com certeza uma sociedade mais fraterna -  não mais justa – , mas com certeza viveríamos em um ambiente em que as pessoas se respeitassem mais.

Termino esse artigo com um convite. Veja se alguém próximo à sua casa, ou mesmo na sua família, está disposto a fazer alguma ação de solidariedade para o Dia das Crianças. Nesta quinta-feira cada um pode transformar uma cerveja ou um caranguejo em um brinquedo no próximo dia 12 de outubro. Se você costuma beber três cervejas, peça apenas duas hoje. E com o dinheiro da outra compre um carrinho. É simples! Para você pode parecer um gesto banal, mas para a criança que receberá esse presente, sua atitude fará toda a diferença.

Vai levar o quê, patrão?

“CD ou DVD, CD ou DVD”. “Vai um óculos aí, patrão?”. “Olha o queijo assado!”. “Picolé! Picolé!”. Frases como essas são comuns para quem freqüenta qualquer barraca na Praia do Futuro. Cada vez mais aumenta o número de ambulantes, não só naquela faixa da cidade, mas em todos os pontos de Fortaleza.

A cidade está literalmente invadida por camelôs. Onde a gente passa, os vemos oferecendo as mais variadas espécies de produtos. Para quem passa pela avenida Bezerra de Menezes, é possível encontrar desde caranguejo até luvas de proteção para motociclistas.

Basta uma rápida volta pelas principais ruas e avenidas da cidade para encontramos pessoas vendendo flanelas, carregadores de celular, pufes (até isso eles vendem), frutas da estação (quem nunca ficou com água na boca com aqueles cajus ou as siriguelas vendidas nos sinais?), rosas, raquetes para matar muriçocas, cofres  e um item que tem chamado muito a minha atenção: aqueles bonecos conhecidos como João Teimoso. De tudo é possível encontrar!

Mas o que mais me preocupa não é a quantidade de trabalhadores informais que atuam em nossa capital, mas a falta de regulamentação deles. A Prefeitura precisa urgentemente resolver essa situação. Não basta fazer uma fiscalização aqui e outra acolá, é necessário cadastrar esses ambulantes e fazer alguma ação mais efetiva para que eles parem de ocupar ruas e calçadas.

O negócio funciona mais ou menos assim. O cara vai para rua, sabe que ali pode descolar uma boa grana, no outro dia chama o vizinho, que começa a atuar no ramo, que daí chama outro e outro e por aí vai.  E fiscalização que é bom, nada! Segundo estimativas da Prefeitura, cerca de 10 mil pessoas trabalham na atividade informal, somente no Centro da cidade. A situação é grave e impõe um desafio à Prefeitura Municipal: formalização com ordenamento urbano.

O Ceará tem forte vocação para os setores de comércio e serviços. Os dois ramos, juntos, foram um dos principais responsáveis pelo crescimento de 8,92% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado no primeiro trimestre de 2010, frente ao mesmo período de 2009.

O Centro de Fortaleza é rico em potencial para a geração de emprego e renda, além de ser uma fonte de arrecadação para os cofres públicos estadual e municipal. O bairro gera cerca de 5,6% de todo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Estado e mantém, em média, 68,5 mil empregos diretos, conforme a Associação dos Empresários do Centro de Fortaleza (Ascefort).

No entanto, o resultado poderia ser bem mais significativo. Os camelôs fazem circular muito dinheiro em espécie, mas ficam fora das estatísticas oficias, pois não são empresas constituídas e, por isso, não prestam contas dos seus produtos. Vivem na chamada economia subterrânea.

Quando o trabalhador informal realiza sua atividade em local público sem a devida autorização contribui para a ocupação desordenada do espaço de uso comum da população. Daí a necessidade urgente de uma regulamentação. Ou no próximo sinal seremos surpreendidos com: “Vai levar o que hoje, meu patrão?”