quarta-feira, 1 de junho de 2011

O bom português

Cansado de relacionamentos improdutivos, resolvi colocar um ponto final em todas as vírgulas que apareceram na minha vida. Chega das dúvidas das interrogações, das surpresas das exclamações e das incertezas das reticências. Quero algo mais concreto! Nada do tipo: oração subordinada substantiva completiva nominal. Quero algo simples! Deixar de conjugar os meus verbos na incerteza do futuro do pretérito e viver algo no presente do tipo mais-que-perfeito. Se esse tempo verbal não existe, quero viver um neologismo, algo novo, porém só meu.

Apaixonado pela língua portuguesa como sou, resolvi criar uma fórmula para fugir daquilo que mais me irritava em uma mulher: os erros de português.

Tudo começou com a Clarinha. Linda, educada, extremamente gentil.

- Um doce! – Dizia a mamãe.

Mas houve aquele fatídico jantar na casa de um casal de amigos. Até então, eu já havia percebido alguns erros de concordância na fala da Clarinha, mas naquele dia ela ultrapassou todos os limites da minha paciência.

Tudo começou quando, sem querer, Clarinha derrubou o copo de cerveja que trazia gentilmente para mim da cozinha. O barulho assustou os três que estavam na sala.

- O que foi isso?  - perguntei.

- Nada, “foi” eu que derrubei o copo!

- Como? (Mais que a tragédia de um copo quebrado e a cerveja derramada no tapete importado dos nossos anfitriões, o que me chamou atenção verdadeiramente foi aquele “foi”. Por isso que insisti na pergunta, afinal barulho de um copo caindo ao chão não precisa de uma explicação tão profunda).

- “Foi” eu, amor! Derrubei um copo no chão!

- Não, Clara (O diminutivo carinhoso já foi pro espaço). Fui eu!

- Você também derrubou?

- Não, Maria Clara (Quando o cara fala o nome dela completo é que o negócio complicou ainda mais). O certo é “fui eu”.

- Como é que é? Você acha certo quebrar um copo?

- Maria Clara dos Santos (Xii.. sem comentários). O verbo ser na primeira pessoa do singular do pretérito perfeito é “fui”. Então o certo é “fui eu”.

- Ah, tá! Mas por que essa irritação toda? Besteira!

- Claro que não, Clarinha! Isso é português!

- Então é pra “mim” falar como?

- Não, Maria Clara! Não! É para “eu falar”!

- Mas você já não fala, amor?

- Quando o verbo é no infinitivo não se usa “mim”, mas “eu”.

- Usar você pra que mesmo?

- Ai, ai, já chega! Não dá mais!

- Mas o que foi, agora? Olha, “fazem” três meses que estamos juntos e nunca “lhe” vi desse jeito. Ou você vai esquecer todos os momentos maravilhosos que “houveram” entre nós?

Não sei se a quantidade de erros era fruto do nervosismo dela, ou se aquela era ela mesmo. Enfim, foi a última frase que ouvi dela. A Clarinha apagou-se definitivamente da minha vida.

Para evitar futuros constrangimentos, resolvi criar uma tática da carta ou bilhete de amor. Digo sempre para a minha pretendente.

- Nunca recebi uma carta de amor.

- Nunca mesmo?

-Nem um bilhetinho!

- Ah, pode deixar que escrevo uma para você!

Pouco me interessa o conteúdo, estou mesmo interessado no português. A língua portuguesa bem falada e escrita é fundamental para qualquer relacionamento, pelo menos para os meus. Faço a análise morfossintática de cada frase. Em cada oração bem construída vou descobrindo um pouco mais da mulher de minha vida. Observo cada vírgula, cada ponto. Erro de ortografia significa fim de relacionamento, assim mesmo no ato.

Mas um texto perfeito, bem concatenado, de preferência com citações de poetas e grandes escritores, significa que aquele imbróglio pode ir muito além de uma carta de amor.  

Será que ainda vou ter de ler muito?

3 comentários:

  1. Esse baixinho tá cada vez melhor!!! Muito bom!!!

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  2. eu já vi alguém no Twitter postando o seguinte:

    "Pais, falem com os seus filhos sobre ortografia. Esqueçam sexo, drogas, eles vão aprender isso nas ruas de qualquer jeito. Ortografia, ok?"

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  3. adoreiiii! e uma vez q tava c um menino q falou "o pessoal foram"
    AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH! quis morrer. mas ai n valeria à pena ne? então esse foi apagado definitivamente da minha vida e resolvi casar c um jornalista.... rsrs

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