sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sintonia

Hoje, dia do amigo, marco um almoço com Elton Viana. Mando pelo Facebook: “12:30 lá naquele restaurante mesmo, né?”. “Isso”, ele responde. Tudo acertado! Chego na hora marcada e não vejo o baixinho. “Normal. O trânsito de Fortaleza nunca é fácil!”. Às 12:40, ligo para o celular dele. Chama, chama e ninguém atende. Espero mais dez minutos e faço outra tentativa. Novamente, nada.

“Esse anão filho da mãe! Deve tá perdido e ainda não atende a porra do celular!!”. Fico logo puto e vou almoçar. Encho o prato mais que o normal pra ainda estar comendo quando a criatura chegar. “R$ 29,12?!?! Eu bati em algum garçom, minha senhora?!”. A mulher sorri achando que eu estava brincando. Enquanto ela tirava a notinha, eu procurava quais daquelas folhas de alface tinha chumbo. “Terei que deixar um rim aqui e ainda vou almoçar sozinho. Elton, viado!”.

Comi até as espinhas do peixe. Terminei o almoço e o substrato de gente não teve a ombridade de ligar ou mandar uma mensagem para dizer o que aconteceu. “Estranho. Ele não é disso! Será que o chefe dele chamou de última hora? Mas nem uma mensagem? Pensando bem, ele disse que já tava saindo.

Será que aconteceu alguma coisa no caminho? Mas nem um telefonema? E se foi grave? E se ele sofreu um acidente no caminho? E se um carro desgovernado bateu no dele e ele ficou inconsciente e sangrando no meio da rua? E se tentaram assaltá-lo, ele reagiu e o levou uns tiros? E se ele morreu?!

PQP! O cara morreu em um acidente de carro no caminho do restaurante! Pronto, foi isso!! Caralho, será que eles liberam o corpo hoje?! Depende se foi acidente ou latrocínio. Porra! O cara acabou de assumir um relacionamento sério no Facebook e já morreu! A vida é foda mesmo. Além disso, deixou um filho.

PQP!!! O João vai crescer sem pai! E era um bom pai ainda por cima. O corpo deve ser liberado ainda neste fim de semana. Vou ter que desmarcar a casa de praia. Porra, mas é o Elton! Não vou deixar de ir ao enterro dele. 'Pois é, eu tava esperando ele pra almoçar e fiquei sabendo depois. Muito triste isso!', vou falar pra pessoas no velório.”

Enquanto pensava tudo isso e na roupa que eu iria usar no velório (uma camiseta preta de botão bem legal que eu tenho), o meu celular toca. Número desconhecido. “É agora. Alguém ligando pra confirmar”, imaginei. No outro lado, só escuto um “Cadê tu, Cretino?!”.

Eu tô aqui voltando do almoço sozinho. Por que você não veio, filho da mãe?!

Eu vim. Tô aqui no japonês!

Que japonês?! A gente sempre almoça no Nosso Fogão.

Nããão! É sempre no japonês. Tá todo mundo aqui.

Pois vai se lascar!!!

Sintonia entre amigos é isso aí, só que ao contrário! :P

Texto escrito pelo meu grande amigo Antino Cretino!

terça-feira, 10 de julho de 2012

Amores imperfeitos

Deve existir um item no 40º volume do manual “Como entender a cabeça do ser humano” que está escrito: quando todas as culpas do mundo não couberem mais em uma pessoa, vire a carga para si. Para não parecer confuso aqui vai o exemplo.

No auge da discussão, ela já usou praticamente todo o repertório de palavrões do mundo contra ele, que por incrível por pareça conseguiu rebater– com provas – todas as acusações, aí vem a frase clássica:

- Sabe o que é? O problema não é você, sou eu!

Nessa hora dá vontade de dizer.

- Eu sabia!

Ou então:

- Se sabia disso, por que não me avisou antes que não tinha inventado tanta desculpa esfarradapa?

Mas com o Alfredo aquilo não podia acontecer. Ele era perfeito demais. Era do tipo: “Genro que toda sogra sonha em ter”, “Pai exemplar”, “Marido fiel e companheiro” (Antes do Alfredo eu realmente não acreditava que ele existisse), enfim todas as qualidades que um homem poderia ter e nenhum defeitozinho de fabricação. Mas isso não foi suficiente para a Doralice chegar pra ele e dizer:

- Não dá mais, Alfredo!

- O que, meu amor?

- Nosso casamento.

- Mas o que aconteceu? O que eu fiz de errado que te deixou desse jeito?

- É exatamente isso que me incomoda: você é certinho demais.

- Então estou errado por ser certinho demais, é isso?

- É! É isso. Fico sufocada. A gente não briga. Você me entende sempre mesmo quando estou de TPM e mando você ir dormir no sofá duro da sala. Ou quando a mamãe me liga querendo desabafar sobre os problemas dela. E com as crianças então? Aí é que não vejo você ter problemas mesmo. Vejo os maridos das minhas amigas que nem sabem trocar uma fralda e você...

- Eu o quê? Não troquei direito as fraldas do Pedrinho? Vazou foi?

- Não é isso! Já disse: você é perfeito demais. Nem a fralda vaza, nem o Pedrinho cai, o Rafael te acha um super-pai porque você não teve vergonha alguma de imitar o Tchutchucão na escola e até com a Maria Clara, que já é uma adolescente, você jamais teve sequer uma discussão....

- E isso é ruim? Se for o caso eu mudo!

- É ruim, mas não quero que você mude. É ruim pra mim e não pra todo mundo. Entende?

- Sinceramente? Não!
- Alfredo, por exemplo, onde estão teus amigos hoje?

- Toda quarta-feira tem um joguinho de futebol depois do expediente. Acredito que a turma toda esteja lá. Por quê?

- Pois é, por quê? Por que quando eu chego em casa em uma quarta-feira à noite, as crianças já têm tomado banho, o jantar – que você mesmo fez - já está feito e servido e até o meu banho com sais já está pronto? Por quê? Isso tudo me sufoca, Alfredo. Quero espaço, discutir com você e depois a gente reatar fazendo amor loucamente, mas a gente não briga. Você é muito perfeito para uma pessoa cheia de imperfeições.

- Mas, meu bem. Eu gosto de estar em casa e cuidar de você e das crianças.

- Chega! Para!

- Pois me diz o que você quer?

- Eu quero ter ciúmes de ti, ter raiva de você, quero que você grite comigo às vezes, diga que minha mãe é insuportável...

- Epa! Não admito que você fale mal da tua D. Socorrinha. Não na minha frente!

- Tá vendo? É isso Alfredo! Chega não dá mais!

- E o que você quer então?

- Quero que saia de casa!

- Tá bom!

- Como assim “tá bom”? Tá ruim, isso sim!

- Você quer discutir comigo, é isso?

- É isso aí! Chegou onde a gente queria.

- A gente não, né? Você. Não há motivos para discutir. E mais, você deve ter tido um dia difícil e está querendo ficar um pouco só. Eu entendo.

- Entende é?

- Claro. Todos nós temos dias assim...

- Você parece que não tem dias ruins. Sabe o que é, Alfredo? O problema não é você, sou eu!

- Você? Não. Doralice você não tem defeitos, pelo menos não aos meus olhos.

- Ahhhhh! Para! Chega! Sai agora!

- Deixa pelo menos...

- Agora!

E Alfredo saiu de casa tentando entender porque Doralice chegara tão estressada em casa. Teria feito algo errado? O jantar que ele colocara na mesa não era o que ela gostava? Mas tinham duas opções.... Será que uma das crianças tinha reclamado dele? Impossível. Era tudo perfeito demais... Doralice encontrara a imperfeição na perfeição.

domingo, 1 de julho de 2012

Jogada desleal

Há dias Augusto César andava inconsolável. E só há duas coisas que abalam tanto emocionalmente os homens. Uma delas é quando seu time perde o campeonato que não vence há anos com um gol improvável aos 45 minutos do segundo tempo. A outra, claro, é uma desilusão amorosa.

Os últimos dias não foram lá muito felizes pro nosso querido amigo. Nosso time há anos não era campeão do grande campeonato de futebol do bairro do Limoeiro. Pra ele, que jogava como zagueiro, perder aquela competição foi pior que a morte de um parente próximo. Se isto acontecesse, boas recordações permaneceriam. Mas daquele jogo, a lembrança foi a mais amarga possível.

Final de jogo, nada de gols e a certeza de que na cobrança de pênaltis o nosso goleiro Zé do Frango (que tinha esse nome não por ser frangueiro, mas por ter um bar que vendia galeto assado) era bem melhor que o “Baixim” do time adversário. 

Aí veio o grande momento: bola levantada na nossa área. O Augusto César, que era zagueiro e conhecido como Cesão, grita:

- Deixa comigo!

Só que ao invés de jogar a bola pra fora da área, ele rebateu da dentro da própria meta. Gol do adversário! Pior que a decepção foi o atacante do time adversário que usava óculos falar bem alto.
- Obrigado, Cesão! Pena que pra vocês a fila não anda.

Nosso amigo estava tão transtornado com o que fizera que nem reação teve pra dar uns sopapos no “Ceguim”. Mas o pior ainda estava por vir.

Futebol de várzea ou acaba em confusão ou em churrasco. Pra levantar a moral do nosso estimado zagueiro, fomos pra casa do Paulinho das Vassouras (pelo nome dá até pra saber com o que ele trabalha), nosso técnico.  Carne pra cá, cervejinha pra lá, todo mundo evitando falar do maldito gol, até que a mulher do Paulinho veio da cozinha com uma amiga que fez com que o Cesão tirasse aquela cara de choro do rosto e pela primeira vez esboçasse um sorriso.

- O que é aquilo, meu irmão?

- Ah, rapaz! É costelinha de porco!

- Não, cara. Me refiro a quem está trazendo a costelinha de porco.

- Uh, rapaz! Que coisa gostosa!

- Peraí, eu vi primeiro.

- Tô falando da costelinha, Cesão. A mulher é a Jandira, que mora logo ali na rua de trás.

Ah, a Jandira! Ficava servindo e provocando o Cesão durante todo o churrasco. Mas zagueiro bom mesmo não aceita provocação e ele não demorou a chegar junto.

- Oi, tudo bem?

- Olá, você é aquele que no jogo de agora a pouco fez o gol do campeonato, né?

- Sim, fui eu mesmo, por quê? – falou Cesão já com o tom de voz alterado, afinal ninguém tinha tido coragem de tocar no assunto.

- Porque eu fiquei com uma peninha de você. Pra quem jogou tão bem, não merecia ser premiado com aquele gol contra.

- Humrum, sei...

- Você gosta de fazer marcação “homem-a-homem”? Tá a fim de me marcar?

- Nossa, você é direta.

- Não fico esperando por um gol contra aos 45 minutos do segundo tempo. Gosto de decidir logo.

E saíram decididos a viver uma grande história de amor. Por causa de Jandira, Cesão até aceitava brincadeiras sobre o fatídico gol. Foram dias em que o zagueiro vivia momentos de glória. Mas o que ele não esperava era que Jandira fizesse uma jogada desleal com ele.

- Não dá mais, Cesão!

- Como assim?

- Aquele gol contra me persegue.

- Te persegue? Como?

- Todo mundo pergunta por ele. Quer saber o que aconteceu com você naquele dia e mais, perguntam como eu posso namorar uma pessoa que deixou o Limoeiro mais um ano na fila.

- Mas, Jandira a gente se ama.

- Amo você mesmo, mas o meu amor pelo Limoeiro é maior. Não dá mais!

- Jandira...

- E mais: o que aconteceu mesmo com você naquele dia pra jogar a bola na direção do teu gol?

-Jandira, eu...

- Perdedor!

Cesão ficou inconsolável. Um gol contra e uma jogada desleal que desconcertou nosso pobre amigo.
Sentamos pra tomar uma cerveja no bar do Zé do Frango quando descobrimos que não há nada tão ruim que não possa piorar.
- Epa! O que é aquilo?

- O que Cesão?

- Olha lá, Jandira e Ceguim juntos. Como assim?

- Valei-me Cristo. É mesmo!

- Pô, mas ela me trocou logo por aquilo?

Enquanto o diálogo rolava, Ceguim com seus inconfundíveis óculos atravessava a rua. Aproximou-se de Cesão e disse:

- Me desculpa, eu me enganei! Pra você a fila anda sim!

Cesão ficou parado, olhando o novo casal sair de mãos dadas como um zagueiro que faz um gol contra em uma final de campeonato.

sábado, 9 de junho de 2012

Cansei de ser bonzinho

Cansei de ser bonzinho. Sou compreensível demais, pacífico ao extremo, conciliador para todos os problemas, mas o que eu ganho com tudo isso? Nada. Pelo menos não aqui na Terra. Pode ser que em um plano superior ao que vivemos eu possa estar acumulando alguma riqueza (espero), mas o que tenho recebido ultimamente é uma série de problemas e uma avalanche de insultos e incompreensões. Por isso mesmo resolvi: cansei de ser bonzinho.

Acordei com esta convicção e resolvi segui-la. Como levanto muito cedo, a primeira coisa que fiz foi pôr uma música bem alta pra poder aumentar meu astral. Nada de preocupação se os vizinhos estão dormindo. Eles que tapem os ouvidos. Afinal de contas, quase todos os dias sou obrigado a ouvir o arrastar de móveis até altas horas da noite ou logo cedo nos finais de semana. Isto sem falar naquele barulho irritante do salto alto batendo no piso. E ainda tem as noites de amor empolgantes em que fico ouvindo grunhidos e sussurros enquanto estou na solidão do meu quarto. Mas parece que minha atitude não atrapalhou ninguém, pois apesar do som alto, ninguém ligou para reclamar.

O dia ia seguindo. Logo na saída, a simpática velhinha do 301 me cumprimenta com aquele sorriso constante e irritante dela.

- Bom dia, meu filho!

- Só se for para a senhora. – Bufo! (ela não merecia, mas estava convicto da ideia)

Percebi que ela tomou um susto. E foi se encaminhando vagarosamente pelo corredor estreito que leva ao elevador.

- Dá licença que estou atrasado! – falo meio que empurrando a velhinha do meu caminho.

Um sorriso meio sarcástico toma conta do meu rosto. Antes de sair do condomínio, mais uma maldade. Chego na saída e o porteiro que sempre me tratou muito bem demora a abrir o portão. Não penso duas vezes. Baixo o vidro e grito:

- Oh, meu filho! Vai abrir esse negócio hoje? Estou atrasado. Emprego não tá fácil assim não, principalmente para profissionais com pouca instrução como você.

- Calma, estou indo. Me perdoe!

- Abre logo isso e para de conversar! – resmunguei enquanto começava a buzinar intermitentemente.

No caminho até o trabalho, mais atitudes más como dirigir ameaçando os motoristas que teimam em andar lentos na faixa de ultrapassagem, acelerando quando o sinal abre só pra ver o pedestre que ainda está no meio da faixa correr desesperadamente, jogando papel pela janela e, como não poderia deixar de ser, estacionando na vaga de idoso. Por que eles têm mais direito que eu mesmo? Pago a mesma quantidade de impostos que qualquer um. E não sonego nenhum (sonegação é uma boa ideia para essa nova fase).

Na repartição, nada de sorrisos ou favores. Cara trancada! Afinal sou pago para mandar e não para ficar distribuindo simpatia. Deixo isso para a moça da recepção que tem de atender bem a todos aqueles clientes chatos.

Resolvi chegar um pouco mais cedo para observar o horário da chegada dos meus amigos (seriam mesmo amigos?) de sala. O primeiro que chega quase meia hora depois do início do expediente, vem com um sorriso aberto dizendo:

- Olá, bom dia! Que surpresa agradável você logo cedo por aqui!

- Bom dia, não né? Boa tarde! Por que o atraso?

- Que é isso, chefe? Tá com raiva?

- Não interessa a você como está o meu humor. Agora me interessa saber o motivo pelo qual o senhor está chegando atrasado.

- Mas foi só meia hora. Eu posso compensar depois.

- Aham, tá certo. Pois sente logo aí que temos muito o que fazer hoje!

E assim foi com todos. Nada de muita compreensão sobre atrasos ou serviços ainda não entregues. Sempre tive a impressão de que por nunca ter levantado a voz para ninguém, jamais ter soltado um palavrão que expressasse realmente o que estou sentindo, as pessoas iam me fazendo de otário.

- Ah, ele é gente boa demais! Compreensivo, sempre sorrindo. É ótimo trabalhar com ele.

- Aham, sei! Pra mim soava mais como: ele é um otário. Pode deixar que ele faz o serviço da gente. Vamos sair mais cedo que o Mané fica aí trabalhando!

Fazia de tudo. Quem não quer um colega de trabalho assim? Estava na hora de deixar de ser assim. O que eu ganhava com isso? Mais trabalho, somente...

E fui assim durante todo o dia. O “gente boa” saiu de campo e entrou o carrasco. Aquele que manda, jamais pede. Agora eu seria respeitado pelo cargo que exerço, não por quem sou. Não dava mais pra viver daquela maneira. Foi o que pensei. Pelo menos até chegar em casa...

O porteiro com o qual eu discuti pela manhã abriu ao portão antes mesmo que eu falasse algo ou esboçasse qualquer tentativa de buzinar. Mesmo sem baixar os vidros, percebi que ele fez questão de acenar e gritar.

- Boa noite!

Subindo as escadas, encontro o vizinho barulhento que mora no apartamento logo acima do meu. Já me preparava para falar umas poucas e boas pra ele quando...

- O senhor é o vizinho que mora logo abaixo do meu apartamento, né?

- Sim sou eu, por quê? (Sabia que ele ia reclamar do som!)

- É que hoje pela manhã o senhor colocou uma música bem alta e foi a única coisa que acalmou o meu filho recém-nascido que insiste em passar a noite em claro. Depois que ele escutou, bem cedo, fechou os olhinhos e dormiu como um anjo. Vim agradecer ao senhor e perguntar se o senhor poderia me emprestar o CD com aquelas canções.

- Mas, mas...

- Só se não for incomodar...

- Tá bom! Vamos ao meu apartamento que eu te entrego.

- Quero aproveitar e pedir desculpas ao senhor.

- Pelo quê?

- Como o Rafaelzinho não dorme direito, às vezes a gente passa a noite fazendo barulho, andando pela casa com ele no colo para fazer com que ele durma. Já fui vizinho de baixo e sei como isso incomoda.

- É verdade, mas...

- Mas a verdade é que agora, graças ao senhor, arranjamos algo para acalmar o nosso pequeno. Muito obrigado!

Mesmo tentando ser ruim a gente acaba acertando. Mas nem tudo estava perdido. Foi só me aproximar do meu apartamento que lá estava a D. Nonô de novo no corredor andando vagarosamente. Era minha chance de terminar o dia com uma maldadezinha. Antes que eu me aproximasse dela, a velhinha virou-se e disse.

- Oh, meu filho! Boa noite. Vi que você não estava muito bem hoje pela manhã e passei a tarde fazendo esse bolo de batata que sei que tanto gosta. É só pra adoçar um pouco o seu dia.

Não pude resistir e acabei abraçando a velhinha e convidando-a para comer bolo com café no meu apartamento. Rimos bastante e ela foi pra casa vagarosamente como sempre, mas com um sorriso enorme no rosto.

- Espero que amanhã você tenha um dia bem melhor que o de hoje. – disse a minha simpática e vagarosa vizinha.

Mal fechei a porta, recebo uma mensagem no meu celular. “Oi, chefe! Saindo agora do trabalho para compensar o atraso. Sei que o motivo não interessa, mas é que pela manhã tinha ido ao supermercado com minha avó e uma pessoa havia estacionado o carro na vaga de idosos. Tivemos de rodar um pouco até encontrarmos outra vaga e a gente acaba perdendo tempo, pois as vagas de idosos estão próximas das saídas pelo simples motivo de que uma pessoa mais velha tem dificuldades de se locomover. Engraçado que o carro era até parecido com o do senhor, mas nem pensei duas vezes antes de dizer para a vovó: ‘Meu chefe respeita tanto as pessoas que jamais faria algo como o que este imbecil fez’. Se for necessário, amanhã compenso mais. Me desculpa!”

Putz! O “imbecil”era eu mesmo! E como fui um idiota o dia todo. Pra que isso?

Hoje descobri que praticar o bem, não é fazer algo bom somente para os outros. É fazer bem a si mesmo. Não adianta querer fazer algo ruim para alguém se mais que estar magoando ao outro, eu estarei me machucando. É cansei mesmo de ser bonzinho, mas estou disposto a superar o cansaço.


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cachorrada

Devo admitir: não gosto de animais de estimação. Mas isso não faz com que eu os maltrate, só não os quero perto de mim. Prefiro utilizar meu tempo com outras coisas. Não me imagino, por exemplo, passear com um cachorro, muito menos ser lambido na boca por aquele ser canino e peludo como muitas pessoas fazem. Enfim, sou assim.

Pois não é que fui me apaixonar justamente por uma garota que amava cachorro? Às vezes tinha a impressão de que ela era mais carinhosa com ele do que comigo. Também pudera, em um dos nossos primeiros encontros, eu para agradá-la fiquei passeando com o cachorro na pracinha perto de sua casa, enquanto ela se ajeitava para irmos ao cinema. Quase duas horas depois, ela aparece com a mesma roupa que estava quando a deixei em casa. Eu já com a cara emburrada e o cachorro pulando feito um louco e balançando o rabo morto de feliz por vê-la. Ela tinha que gostar mais dele mesmo.

Pra piorar a situação, ela não tinha um cachorro. Na sua casa havia três, sendo que um deles, justamente o maior, não ia com a minha cara. Era impressionante:  eu tinha de chegar na casa, esperar o cachorro ser trancado lá no banheiro do quintal e só então podia correr para os braços da minha amada. E mesmo assim com ela dizendo:

- Entra logo amor que o Ralph não pode ficar muito tempo preso.

Ele não, mas eu sim. Porque eu não podia nem chegar perto da janela que ele começava a latir. Era um namoro de sala, parecia aqueles do início do século passado. Dava nem para dar uma escapadinha pro jardim e ganhar uns beijos mais quentes porque a fera sempre estava lá com aquele olhar desafiador para mim.

- Ah, amor! Por que você não gosta dele?

- Eu não gosto dele? O Ralph é que me odeia.

- Ele não te odeia.

- Claro que sim. Quando a gente chega, ele te lambe olhando pra mim com desdém e quando você o larga ele parte pra cima de mim latindo e querendo arrancar um pedaço do meu ser. Isso não é odiar?

Não sabia até quando eu iria aguentar aquela cachorrada.

O tempo foi passando e eu nunca me acostumei com aquela situação, mas a minha sorte ia mudar. Um dia eu resolvi tentar mudar aquela situação. Passei em uma pet-shop comprei um ossão a fim de tentar fazer "amizade" ou pelo menos dar um tom mais diplomático na minha relação com o Ralph.

Toquei a campainha e logo estranhei porque não ouvi os latidos. Ralph me conhecia pelo cheiro e quando eu dobrava a esquina ele já começava a me ameaçar. Mas naquele dia quem veio me atender foi a Lúcia que antes nem disse como de costume: "Prende o cachorro!"

- Amor, o Ralph foi atropelado! - disse Lucinha aos prantos.

- Mas como?
- Abri o portão para minha mãe entrar com as compras e ele saiu correndo atrás do vendedor de picolé. Foi quando uma moto passou e pegou ele em cheio.

- Caramba! E o motoqueiro, como está?

- O motoqueiro, amor? O Ralph é atropelado e você quer saber como está o motoqueiro?

- Me desculpa, mas é que o Ralph é um cachorro.

- Um cachorro? É assim que você considera o Ralph? É por isso que ele te odiava.

- Mas, meu bem e ele era o quê?

- Você ainda pergunta? Ralph era um membro da família, quase um irmão. Quando você brigava comigo e eu chegava em casa aos prantos, era sempre ele que me consolava.

- Tá bom, desculpa. E cadê ele?

- Ele quem? O motoqueiro? É só dele que você quer saber mesmo. Só quebrou umas costelas e já foi pro hospital.

- Não, Lucinha. O Ralph? Cadê ele?

- Tá sendo operado agora.

Já não estava mais. A mãe dela acabava de entrar na casa dizendo que o Ralph tinha ido para o "céu dos cachorrinhos". Lucinha aumentava o som do pranto, enquanto eu a consolava com uma felicidade contida no rosto.

- Calma, Lucinha! Não chora.

- Ora não chora. Você fala isso porque está aí todo alegre com a partida do Ralph.

- Não diga isso (Nessa hora tive de segurar o sorriso mesmo)! Vamos fazer o seguinte: amanhã te dou um cachorro novinho, igual ao Ralph.

- Como é que é?

- Um novo mascote! Que tal?

- Um novo mascote? Ah, é! Não precisa!

- Como não?

- Não porque já tenho uma anta em casa: você. Insensível!

- Calma, Lucinha!

- Sai fora, agora! Cachorro!

Desde este dia perdi minha gatinha. Por isso não gosto de animais.

domingo, 22 de abril de 2012

Uma palavra

- Me define com uma palavra.
- Ah?
- Vai lá! Como você me definiria com uma palavra.
- Sei lá! Você é tão complexa que acho complicado definir em uma só palavra.
- Quer dizer que é assim que sou pra você?
- Assim como?
- Complexa e complicada. Minha definição com uma palavra pra ti é essa, pois pelo menos escolha uma dessas duas palavras.
- Olha, você não está entendendo...
- Entendi sim. Bora, desembucha: uma palavra. Agora. Vai.
- Tá bom. É... é...
- Oh, coisa difícil. Depois a complexa e complicada aqui sou eu.
- Maravilinda!
- Ah?
- Maravilinda. É esta a palavra pra te definir.
- Ah, mas isso não existe. Não tem no dicionário.
- Você pediu uma palavra. Não comentou nada a respeito de dicionário. Pra mim você é maravilhosa e linda, ou seja, maravilinda.
- Gostei não.
- Não?
- Você não sabe me definir e fica inventando coisas.
- Mas meu bem, o amor é mesmo assim: indecifrável. Ninguém consegue definir o que sinto por você, por exemplo.
- Ah, é? Sei...
- E olha, não sei pra que esse negócio de definições. E mais: em uma palavra. Onde já se viu?
- Insensível.
- Ah.
- Te defini. Com uma palavra.
- Amor...
- Insensível.
- Tá bom, é assim? Chata!
- Ah?
- Chata.
- Barrigudo.
- Vesga.
- Ah, vesga eu? Era só o que me faltava. Neste instante eu era “maravilinda”, agora sou vesga.
- Quem começou a insultar foi você.
- Quer saber de uma coisa? Pra mim chega!
- Como assim?
- Chega! Fim! Acabou!
- Calma!
- Tchau!
- Mas...
E saiu assim da minha vida: com uma palavra.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

(Des) Lembranças de Carnaval

Se existe algo que mantém o cérebro colado ao crânio, eu tenho certeza que em mim este “algo” está com a data de validade vencida.  Que dor de cabeça é essa! Tento levantar e parece que havia algo solto dentro dela. Ai como dói!

Mas, não há nada tão ruim que não possa piorar. Onde é que estou? Como vim parar aqui? Não me lembro de ter colocado espelho no teto do meu quarto... Muito menos este aparelho de ar-condicionado... Espera, quem é essa pessoa do meu lado?

Calma, muita calma! Deixa eu pensar... Ai! Mas como vou conseguir raciocinar algo com meu cérebro descolado? O jeito é agir! Ela tá se mexendo...

- Bom dia!

- Bom dia! Ah?  Onde é que estou? Quem é você?

- Não se preocupe! Acabei de fazer as mesmas perguntas, só esperava que você as respondesse.

- Ora como não me preocupar: estou deitada nua em uma cama, num lugar que não sei e com um cara que não conheço.

- Não, mas com certeza a gente se conhece! Caso contrário não teríamos parado aqui, né?

- Sei lá! Não sei de nada! Peraí, você colocou alguma coisa na minha bebida. É isso! Está tudo explicado!

- Tá maluca? Como assim: “colocou algo na minha bebida”?  Não lembro sequer de ter bebido.

- Nem eu... E agora?

- Agora façamos o seguinte. Vamos nos vestir e tentar descobrir o que aconteceu. Refazer passo a passo.

- Isso mesmo! Boa idéia! Vá lá!

- Pra onde?

- Ora, se vestir!

- Tá doido? Vou bem deixar você me ver pelada!

- Mas estamos os dois debaixo deste lençol, nus, já devemos ter feito coisa muito pior (ou melhor)...

- Sim, podemos! Mas você não lembra. Definitivamente não vou sair debaixo deste lençol!

- Tá bom! Continuemos aqui! Vamos lá! Qual a última coisa que você lembra?

- Hum... Deixa eu ver! Estava em um bloco de Carnaval, quando um cara chegou pra mim e disse: quero descobrir a princesa que está por trás desta máscara!

- E você?

-  Tirei a máscara e ele disse: “Meu Deus! Não é uma princesa é a bruxa!” . Saiu correndo e rindo! Além de me dar uma cantada barata, ainda me xinga.

- Realmente...

- Como assim, “realmente”? Você me acha uma bruxa?

- Não, tô falado da cantada!

- Ah, bom!

- Você é muito bonita! Mesmo descabelada, acordando, com o rosto meio amassadinho... Uma princesa! Besta foi ele!

- Você acha?

- Claro, mas isto não nos coloca aqui!

- Claro que sim!

- Como? Não lembro absolutamente nada. E essa história que você contou, o cara não era eu.

- Mas não fosse ele, eu jamais teria recebido um elogio tão carinhoso assim logo de manhã. Acho que foi o destino que nos colocou aqui.

- Aham... Sei...

- Quer saber de uma coisa: pouco importa como viemos parar aqui. Pra mim interessa é que agora estou aqui com você. Por sinal, prazer sou a Letícia!

- Ah, beleza! Sou o ...

- Não me interessa quem você é! E mais, já que não lembramos do que fizemos, vou fazer algo para você nunca mais me esquecer.

- Tem certeza?

- Qual sua fantasia?

- Vem cá que eu te conto...

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

704

-Não fala nada e me beija!

Dificilmente minha campainha toca. Somente quando recebo as raras visitas da minha irmã -  pois o meu sobrinho acha legal o barulho que faz - , ou quando algum vizinho vem pedir algo emprestado.

- Você teria um pouquinho de açúcar para me emprestar? Esqueci de comprar. – pediu um dia desses um vizinho que jamais havia me dado um "bom dia".

Fiquei feliz em adoçar a vida dele.

Mas voltemos. Tomei um susto. Sempre a achei muito bonita, atraente, era fácil perceber quando ela ia trabalhar pelo cheiro do seu perfume inconfundível que tomava conta do corredor. O sorriso sempre foi tímido e avassalador, daqueles que se recebidos de manhã cedo levam consigo todo o mau humor matinal.

Dia desses, o silêncio ensurdecedor da madrugada foi quebrado por um choro contido de alguém perguntando:

- Por quê? Só me diz o motivo?

Não sei o que havia acontecido, mas era a voz dela. A mesma voz cujos barulhos estranhos ditos em uma noite de amor eu já ouvira.

- Não para, não para!

Parei! E imaginei como seria...

Por isso quando a campainha tocou naquele dia, no momento em que a vi na minha porta, realmente fiquei assustado.

- Oi!

- Não fala nada e me beija!

- Como assim?

- Só me beija!

Me puxou pela cintura, mão postada na minha nuca e o lábio doce e quente tocou o meu.

Fiquei atordoado com o ataque. Era meio de semana, preparava o meu almoço, enquanto o rádio sintonizado em um noticiário da AM me trazia as principais notícias do dia. Acho que foi a primeira vez que tive uma experiência sexual ouvindo notícia.

Após o beijo na porta de casa, o empurrão pra dentro. Porta fechada com o calcanhar e a sentença repetida.

- Não fala nada. Só me beija!

Depois que recobramos a consciência. Roupas espalhadas por todos os cômodos da casa, ela deitada com a cabeça sobre o meu peito, com os dedos passeando suavemente sobre meu ombro e rosto, até que...

- Seu arroz!

- É a primeira vez que alguém me chama assim!

- Não é isso! O seu arroz que estava cozinhando, tá sentindo o cheiro de queimado?

- Putz, esqueci!

Saí do quarto enrolado no lençol para desligar o fogão. Não só o arroz como todo o resto ia virar lixo.

Fui rápido, mas quando retornei ao quarto ela já estava de pé.

- Preciso ir!

- Como assim?

- Não me pergunte nada. Deixa eu ir!

- Me diz pelo menos o teu nome.

- 704.

- Hã?

- Moro no 704. Este é o meu nome pra você!

Vestiu-se, agradeceu e foi embora com a mesma frase.

- Não fala nada e me beija!

Não entendi! E até agora nem sei se quero entender. Só sei que a campainha nunca mais tocou do mesmo jeito. Não nos cruzamos mais no corredor e dia desses vi uma placa de “vende-se” em frente ao prédio. Assustado, perguntei ao porteiro.

- Quem está vendendo o apartamento?

- Rapaz, é aquela gostosona do 704.

- Hum, sei!

Não apareceu, não nos falamos mais, a única certeza era a dúvida. Mas, espera... A campainha tá tocando...

- Bom dia! O senhor poderia me emprestar o ferro de engomar?

sábado, 14 de janeiro de 2012

Apelidos

- Vem cá, Dindondonzinho...

- Hã?

- Vem cá!

- Você me chamou de quê?

- Dindondonzinho, ora.

- Mas o que é um Dindondonzinho?

- É seu apelido! Todo casal adota apelidos e como a gente não tem ainda, resolvi te chamar assim!

- Mas, Dindondonzinho?

- O que é que tem?

- Você não acha, meio...

- Meio o quê?

- Sei lá, meio musical demais. Tem outra coisa não?

- Tem não! É Dindondonzinho e pronto. Pior é você que nunca me deu um apelido.

- Como não? Vivo te chamando de "amor".

- "Amor" é muito comum, não acha? Vamos fazer um exercício: quando você lembra de mim quando está só em casa, o que te vem à cabeça?

- Sei lá! Sua bunda?

- Como é que é? Quando lembra de mim, a imagem a qual você me associa é da minha bunda?

- Olha, vamos parar com essa discussão!

- Não, Dindondonzinho. Isto não está certo!

- A gente está discutindo por besteira.

- Não é besteira. Todo casal tem e exijo que você me dê um apelido!

- Mas, mas...

- Quer saber de uma coisa, Dindondonzinho? Tô fora!

- Como assim fora?

- Não quero mais saber de você. Associar a minha imagem somente à minha bunda? Onde já se viu? Por isso que nosso relacionamento tá uma...

- Não ouse completar.

- Mas você entendeu. Sem apelido não há como continuarmos juntos.

- Meu bem, senta aqui!

- Ah, agora eu sou seu "bem". Também simples demais. Você é um insensível, sem coração, nem criatividade você consegue desenvolver para me colocar um apelidozinho.

- Dindondonzinha, vamos conversar!

- Você me chamou de quê?

- Dindondonzinha, ora. Se eu sou o seu Dindondonzinho você é minha Dindondonzinha.

- Ridículo! Patético! Insensível!

- O que é isso?

- Seus novos apelidos! Tchau! (E saiu batendo forte a porta).

Mais tarde, sentado e sozinho, pensei:

- Dindondonzinho? Muito musical!