sexta-feira, 15 de julho de 2011

Marcas

Dói. Dói mais na alma do que na carne. A marca está lá, no peito esquerdo, bem próximo de onde fica o coração. Não sei como ela foi parar lá, muito menos o significado. Se alguém souber alguma pista, por favor, me avise!

É o seguinte.  Havia chegado a três décadas de vida sem ter cometido algo que não sei se era motivo de orgulho ou de frustração.  Nunca havia tomado um porre! Todos os meus amigos e várias de minhas amigas contam as histórias mais inusitadas das noites de farras em que beberam até simplesmente perderem a noção do que fizeram. Beberam, caíram e não levantaram. Eu já tinha bebido, mas até cair jamais...

Resolvi preencher essa lacuna da minha vida nada boêmia, mas mal sabia eu que aquela noite iria deixar uma marca para toda a minha vida.

Era uma quarta-feira, saí de casa determinado. É hoje! E como queria uma noite só minha, resolvi não envolver ninguém. A começar pelo dia da semana. Era jogo decisivo da Seleção Brasileira. Muita gente estaria em casa. Não liguei para nenhum amigo, muito menos avisei a ninguém da família. O porre era meu!

Comecei em casa. Comprei algumas garrafas de cerveja para ir tomando umas enquanto me aprontava para aprontar.

Queria beber até cair, mas como a responsabilidade ainda falava mais alto, chamei um taxi.

- Boa noite, senhor!

- Só vou saber se vai ser boa mesmo se você me levar para a melhor festa da cidade hoje.

- É pra já, senhor!

E assim foi. Dei uma checada antes para saber se não havia nenhum conhecido na porta e resolvi entrar. Fui logo para o balcão.

- Amigo!

- Ah?! – Era difícil ouvir naquele barulho todo.

- É o seguinte: eu tô a fim de tomar todas hoje. Não quero saber de dançar, nem que música tá tocando, o que eu quero mesmo é beber.

- Mas o senhor quer beber o quê?

- Sei lá, qualquer coisa que me faça esquecer dos meus problemas. Dizem que quando a gente bebe muito, aquele diabinho que fica pertubando no ouvido da gente fala mais alto né?

- Isso mesmo!

- Pois eu quero que o capeta grite bem alto!

- Espera um pouco!

O barman deu um sorriso sarcástico e deve ter feito a mesma cara de  Pôncio Pilatos ao mandar o Salvador para a cruz, enquanto lavava as mãos: “se é isso que você quer, é isso que vai ter”. Ele cochichou no ouvido da garçonete que rapidamente passou por debaixo do balcão e entrou em uma sala que parecia a administração. Voltou de lá em pouco tempo com uma pequena garrafa, arredondada, sem rótulo, do vidro escuro e pôs no balcão. O barman virou-se pra mim.

- Com essa aqui não só o diabinho vai falar alto como vai convocar todo o inferno...

- É essa mesmo! – E fiz o gesto de quem queria aquilo tudo para mim.

- Epa, epa! Não é assim não! Custa caro!

- Não vai dizer que tenho de vender a minha alma!?

O barman riu, negociamos rapidamente o preço daquilo que até hoje não sei o que é e comecei a noite mais louca da minha vida. Isto é, terá sido a mais louca mesmo? Porque a única coisa que me lembro realmente é de ter tomado duas doses, pequenininhas daquela bebida. Daí, então, não sei o que fiz, se bebi o resto da garrafa, como voltei pra casa, nada...

Só sei que hoje é sexta-feira, acordei em casa, a porta estava devidamente trancada por dentro, tem dinheiro na minha carteira, minha cabeça não dói, mas acordei com um pedaço de plástico no peito. Quando observei direito, vi que tinha feito uma tatuagem! Pensei que era daquelas temporárias que basta esfregar com mais força para sair, mas não. Era uma tatuagem mesmo! Uma letra! A letra “N”.

Mas como aquilo foi parar ali? Eu já havia afirmado para muita gente que jamais faria uma tatuagem, pois ficava imaginando como aquela pintura iria ficar em uma pele enrugada com o passar dos anos. E lá estava ela. Por que “N”? Por que no peito?

Seria a inicial das minhas duas ex-namoradas que coincidentemente começavam com N? Ou seria uma nova “N”que surgiu na minha vida naquela noite e tatuei a letra como prova de amor? Mas o “N”também poderia significar um “não”, para eu nunca mais fazer aquilo ou simplesmente um “não” para a vida medíocre que estava vivendo até então? Não sei. Só sei que estou com esse negócio no meu peito e cheio de dúvidas na minha cabeça.

Uma coisa é certa. O primeiro porre da minha vida – que nem lembro se curti muito – havia deixado uma marca pra sempre em mim.

E dói! Dói mais na alma do que na carne as incertezas que agora estão comigo!

P.S. "O pecado é mais saudável e alegre do que a virtude. Aqueles que trocam o vício pela beatice tornam-se velhos feios e desagradáveis." - Rubem Fonseca

terça-feira, 12 de julho de 2011

Má influência

Percebi que a minha solterice estava me fazendo mal não porque eu estava me sentindo solitário demais. Nada disso! As conseqüências negativas estavam surgindo, pois as esposas e namoradas de meus amigos já não deixam eles saírem comigo com a mesma freqüência de antes. Se antes eu era o cara bacana hoje sou a má influência.

Isso ficou claro na última sexta-feira. Vi que estava sendo marcado um encontro entre amigos depois do trabalho e ouvi toda a conversa entre a mulher do Marcão e ele.

- Quem vai?

- Ah, vai todo mundo aqui do trabalho. Cada um vai levar a sua esposa ou namorada e a gente fica lá bebendo, conversando...

- Ele vai?

- Quem?

- Você sabe de quem estou falando! – disse já alterando um pouco a voz.

- Claro que vai! Afinal é nosso colega de trabalho!

- Então, eu não vou!

- Como assim não vai?

- Se ele for ou não vou. - Era o ultimato!

- Mas, por quê?

- Ora, você sabe por quê. Ele fica contando as aventuras sexuais e amorosas dele e todos, sem exceção, ficam de olhos e ouvidos arregalados ouvindo aquilo e deixam de dar atenção a nós, esposas, para escutar o que ele tem a dizer.

- A gente só tá conversando, Laisinha! (Essa tática de usar o nome da mulher no diminutivo é típico do homem que sabe que jamais vai conseguir convencê-la).

- Conversando? Vocês só escutam! De vez em quando um ainda diz: “Conta mais!” E o outro completa: “Os detalhes, eu gosto mesmo é dos detalhes”. Mas o que mata mesmo é que vocês ficam de braços cruzados imaginando todas aquelas cenas que ele descreve e ao final todos, sem exceção, soltam aquele: “Ai, ai!”.

- Como é que é?

- Sei que ele é seu amigo, que já te ajudou bastante, mas precisa dizer o tal do “ai,ai”. Esse “ai,ai” é que mata.

- Tudo bem então. Vou falar para a turma que ele não vai.

E o Marcão chegou e contou toda a história que eu já tinha ouvido. Daqui a pouco o Cadu, o Paulo, o Cabeça, enfim todos os amigos que tinham namoradas ou esposas. Estava excluído do grupo! Arrumar alguém era urgente, ou não.

- Cara,você ficou chateado? – perguntou o Marcão.

- De jeito nenhum. Já fui casado e sei bem como é isso.

- E você, vai fazer alguma coisa hoje?

- Claro. Rapaz, conheci uma garota na semana passada que é um espetáculo. E umas primas delas chegaram hoje e estão todas hospedadas na casa dela. Acho que vou sair com elas.

- Sério? Conta mais!

- O final da história, meu amigo, na segunda-feira eu te conto.

- Ai, ai!