sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Aquele feriado

Era feriado! O restaurante estava lotado de gente que odeia ir para a cozinha em dia de folga no trabalho. Claro que estava ali pelo mesmo motivo. Cheguei e tomei um susto enorme com o tamanho da fila do self-service, mas já que estava ali resolvi encarar. Melhor a fila que comer arroz com ovo em casa.

Cinco minutos depois, prato feito e começava a busca por uma mesa. Eu sempre fico meio constrangido em pedir para sentar à mesa junto com alguém que não conheço, por isso buscava um lugar só pra mim, de preferência bem escondido. Olhei pro lado, andei pelo outro e de repente a pergunta:

- Quer sentar aqui comigo? – disse uma garota linda.

- Ah?

- Faz um tempão que vejo você rodando de um lado para outro com esse prato na mão. Se quiser, pode sentar aqui comigo.

Ela usava óculos, cabelo meio despenteado, cara de intelectual, do jeito que eu sempre imaginava uma companheira para mim. Não aquelas mulheres que parecem sair de uma fábrica de produção em série. Minha companheira de self-service tinha algo especial.

Sentei, apesar de estar muito constrangido. Meu prato era enorme e tinha de tudo um pouco. Ela deve ter me achado um esfomeado.  O prato dela dava gosto de ver, muito colorido e organizado. O meu era aquela gororoba de muitos sabores. E como começar a conversa em um restaurante se desde pequeno mamãe me ensinava a não falar de boca cheia? Claro que foi ela quem puxou assunto.

- Os restaurantes estilo self-service são um mal para a sociedade, não acha?

-  Ah? (Era a segunda vez que usava essa expressão, ela deveria estar me achando um idiota. Mas fazer o que diante de uma pergunta dessa?)

- Antes a gente vinha para um restaurante, sentava, pedia o cardápio, olhava todos os itens, isto geralmente já tomando alguma bebida , até que finalmente anunciávamos o escolhido. Enquanto aguardávamos o banquete, era o momento em que conversávamos sobre a vida, nossas alegrias e angústias. Muitas vezes não importava se o prato demorasse, pois a conversa era o que havia de mais gostoso no almoço.

- É verdade! (Ai, meu Deus, eu não conseguia desenvolver nada)

- E eis que a vida moderna nos apresentou o self-service, onde você coloca o que quiser no prato, senta, come e vai embora. Interagir pra que? Com quem? Você não acha?

- Acho! (Mais uma!)

A verdade é que o self-service nunca mais foi o mesmo para nós dois. A conversa fluiu. Deixei de ser monossilábico e desenvolvi o diálogo. Falamos sobre muita coisa: restaurantes, culinária (ela tinha o gosto bem diferente do meu), trabalho, família, solidão, amor, casamento, filhos...

Nosso discurso virou prática. Ficamos casados por 15 anos. E naquele feriado era sempre a mesma coisa. Eu chegava no dito self-service e o gesto era sempre o mesmo.

- Quer sentar aqui comigo? – ela repetia.

Foi ali, naquele mesmo lugar, que a pedi em casamento, onde ela anunciou que estava grávida e também onde anunciei que estava desempregado. Lá foi também o local em que celebramos a sua formatura, a sua contratação em uma ótima empresa, a minha promoção... Lembro bem do primeiro feriado com o nosso filho, e também do dia em que não pudemos ir, pois o pequeno estava doente. E foi naquele self-service que nosso amor ficou sem gosto... Era o fim da nossa mais longa refeição!

- Não dá mais, o gosto já não é o mesmo! – ela anunciou

Engasguei e chorei, enquanto ela seguia. Não sei se para um jejum ou para experimentar novos sabores...

No ano seguinte, após o fim do nosso casamento, lá estava eu. Não teria uma segunda chance? Não dava para temperar um pouco mais aquele relacionamento a fim de que ele voltasse a ser saboroso para nós dois? Parecia que não...

Parecia. No feriado deste ano, fiquei com medo de ir. Afinal, poderia me machucar. Ela não ia aparecer e mesmo que aparecesse, o que isso significaria? Resolvi ir!

Prato na mão, olhei de um lado para outro e nada. Sentei, naquela mesma mesa do primeiro dia. Cabeça baixa, pensativo, quase me conformando...

- Posso sentar aqui com você. O restaurante está lotado! – A voz era a mesma!

- Claro que sim! – Fui logo puxando a cadeira

- Nossa, como você mudou!

- Por que você diz isso?

- Seu prato está tão colorido. Nem parece aquele gororoba do dia em que gente se conheceu.

- Você achou é? (Eu sabia!)

- Claro, tudo misturado. Parecia que estava morto de fome.

- Pois é, tive de mudar a alimentação! Sabe como é, né? Idade avançando, doenças aparecendo...

- Sei como é isso, não? – disse sorrindo. O mesmo sorriso da primeira vez. O tempo parece que não havia passado.

Eu simplesmente ri. E voltamos a conversar sobre tudo: vida, trabalho, sexo, casamento, separação, filhos... O sabor era de comida requentada mesmo, mas nem por isso menos saborosa. Ficamos por mais de uma hora conversando e fomos convidados a nos retirar pelo dono do restaurante.

- E agora? – perguntei com água na boca!

- Agora, cada um vai para a sua casa! – disse ela!

Despedida sem sal para um relacionamento em que experimentamos todos os gostos e sabores. E no próximo feriado? Qual gosto terá minha refeição?

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sinal dos tempos

É, amigo, o tempo passa!

Percebo que ele realmente passa depois de uma jornada de afazeres domésticos. O simples fato de varrer minha casa mostra que já não sou mais aquele ser cheio de vitalidade. Mas isso acontece não porque minhas costas doem, ou por ficar facilmente cansado, mas pela quantidade de cabelo que tenho de recolher pela casa. É fato: estou ficando calvo (Careca é uma palavra forte demais e me recuso a usá-la). Como diria a velha propaganda de shampoo: “Ei, ei, você se lembra da minha voz? Continua a mesma. Mas os meus cabelos, quanta diferença”. E que diferença!

Outro dia resolvi jogar futebol com meu filho e uns amiguinhos dele em um campinho próximo de casa. E mais uma vez recebi o sinal de que o tempo realmente passou. Com a bola dominada na defesa, olho para o garotinho lá na frente, tudo pronto para um lançamento perfeito que deixaria o pivete na cara do gol. Mas aí ele levantou a mão e gritou...

- Bora, tio, passa a bola!

Tio? Como assim, tio? O tempo em que fiquei paralisado pensando naquilo foi o suficiente para que outro garoto me roubasse a bola, me desse um drible por entre as pernas e chutasse no ângulo. Gol!

- Poxa, pai! Cê tá ficando velho, hein?

Era a sentença final!

Engana-se quem pensa que os sinais param por aí. André, um amigo que não via há muito tempo, me convida para um churrasco na casa dele.

- Vem pra cá! Chamei também toda a galera do tempo da escola para que possamos nos reencontrar! Minha família também vai estar aqui!

No dia marcado, assim que cheguei logo tive uma boa surpresa: meus amigos estavam tão carecas e barrigudos quanto eu. Sinal de que o tempo não passara só pra mim. Só mesmo o Fernando chegou lá com um corpo de dar inveja a qualquer adolescente de 15 anos.

- Dieta macrobiótica, galera!

Sei... Pra mim,  aquilo tinha outro nome: anabolizante! Mas deixa pra lá.

O teor das conversas da roda de amigos também tinha mudado. Se antes falávamos de mulheres, farras, projetos de viajar pelo mundo, hoje falamos de casamento – ou divórcios – e filhos. Daqui a pouco – eu espero que nem tão pouco assim – falaremos dos remédios que estaremos tomando para combater colesterol, obesidade, impotência (quem sabe?) e por aí vai...

Nossa amizade começou com festinha onde havia bolos e brigadeiros, consolidou-se nas comemorações de 15 anos, hoje se fortalece com os casamentos  e um dia nos encontraremos nos nossos velórios. É a vida!

Tudo ia bem no churrasco, contamos as mesmas piadas, rimos das mesmas situações em que dávamos gargalhados anos atrás, tudo na mais perfeita harmonia. Até que ela surgiu!

A Claudinha era a irmã mais nova do André. Costumávamos freqüentar a sua casa, pois era a única que tinha um espaço bacana para a gente bater uma bolinha e conversarmos besteira. E era comum a gente ver a Claudinha – ainda com três anos - passeando de calcinha pela casa. Brincávamos com ela que sempre arranjava um motivo para nos fazer rir. Era uma criança adorável, todo mundo queria pô-la no colo e mostrar aquele anjinho. Mas o que eu não imaginava era que o anjo tinha virado uma deusa.

- Rapaz, quem é aquela ali? – perguntei boquiaberto.

- É a Claudinha, irmã do André!

- Sério? Cara ela tá linda, né?

- Linda e ...

- Gostosa! – interrompi.

- Ia dizer inteligente... Com 18 anos já está no segundo ano de Medicina!

- Poxa, o tempo passa mesmo!

André se aproxima da gente e nos abraça.

- Muito bom ter vocês aqui depois de tanto tempo. Sinal que a vida passa e nossa amizade continua a mesma.

- Continua a mesma, mas a Claudinha... Quanta diferença!