terça-feira, 10 de julho de 2012

Amores imperfeitos

Deve existir um item no 40º volume do manual “Como entender a cabeça do ser humano” que está escrito: quando todas as culpas do mundo não couberem mais em uma pessoa, vire a carga para si. Para não parecer confuso aqui vai o exemplo.

No auge da discussão, ela já usou praticamente todo o repertório de palavrões do mundo contra ele, que por incrível por pareça conseguiu rebater– com provas – todas as acusações, aí vem a frase clássica:

- Sabe o que é? O problema não é você, sou eu!

Nessa hora dá vontade de dizer.

- Eu sabia!

Ou então:

- Se sabia disso, por que não me avisou antes que não tinha inventado tanta desculpa esfarradapa?

Mas com o Alfredo aquilo não podia acontecer. Ele era perfeito demais. Era do tipo: “Genro que toda sogra sonha em ter”, “Pai exemplar”, “Marido fiel e companheiro” (Antes do Alfredo eu realmente não acreditava que ele existisse), enfim todas as qualidades que um homem poderia ter e nenhum defeitozinho de fabricação. Mas isso não foi suficiente para a Doralice chegar pra ele e dizer:

- Não dá mais, Alfredo!

- O que, meu amor?

- Nosso casamento.

- Mas o que aconteceu? O que eu fiz de errado que te deixou desse jeito?

- É exatamente isso que me incomoda: você é certinho demais.

- Então estou errado por ser certinho demais, é isso?

- É! É isso. Fico sufocada. A gente não briga. Você me entende sempre mesmo quando estou de TPM e mando você ir dormir no sofá duro da sala. Ou quando a mamãe me liga querendo desabafar sobre os problemas dela. E com as crianças então? Aí é que não vejo você ter problemas mesmo. Vejo os maridos das minhas amigas que nem sabem trocar uma fralda e você...

- Eu o quê? Não troquei direito as fraldas do Pedrinho? Vazou foi?

- Não é isso! Já disse: você é perfeito demais. Nem a fralda vaza, nem o Pedrinho cai, o Rafael te acha um super-pai porque você não teve vergonha alguma de imitar o Tchutchucão na escola e até com a Maria Clara, que já é uma adolescente, você jamais teve sequer uma discussão....

- E isso é ruim? Se for o caso eu mudo!

- É ruim, mas não quero que você mude. É ruim pra mim e não pra todo mundo. Entende?

- Sinceramente? Não!
- Alfredo, por exemplo, onde estão teus amigos hoje?

- Toda quarta-feira tem um joguinho de futebol depois do expediente. Acredito que a turma toda esteja lá. Por quê?

- Pois é, por quê? Por que quando eu chego em casa em uma quarta-feira à noite, as crianças já têm tomado banho, o jantar – que você mesmo fez - já está feito e servido e até o meu banho com sais já está pronto? Por quê? Isso tudo me sufoca, Alfredo. Quero espaço, discutir com você e depois a gente reatar fazendo amor loucamente, mas a gente não briga. Você é muito perfeito para uma pessoa cheia de imperfeições.

- Mas, meu bem. Eu gosto de estar em casa e cuidar de você e das crianças.

- Chega! Para!

- Pois me diz o que você quer?

- Eu quero ter ciúmes de ti, ter raiva de você, quero que você grite comigo às vezes, diga que minha mãe é insuportável...

- Epa! Não admito que você fale mal da tua D. Socorrinha. Não na minha frente!

- Tá vendo? É isso Alfredo! Chega não dá mais!

- E o que você quer então?

- Quero que saia de casa!

- Tá bom!

- Como assim “tá bom”? Tá ruim, isso sim!

- Você quer discutir comigo, é isso?

- É isso aí! Chegou onde a gente queria.

- A gente não, né? Você. Não há motivos para discutir. E mais, você deve ter tido um dia difícil e está querendo ficar um pouco só. Eu entendo.

- Entende é?

- Claro. Todos nós temos dias assim...

- Você parece que não tem dias ruins. Sabe o que é, Alfredo? O problema não é você, sou eu!

- Você? Não. Doralice você não tem defeitos, pelo menos não aos meus olhos.

- Ahhhhh! Para! Chega! Sai agora!

- Deixa pelo menos...

- Agora!

E Alfredo saiu de casa tentando entender porque Doralice chegara tão estressada em casa. Teria feito algo errado? O jantar que ele colocara na mesa não era o que ela gostava? Mas tinham duas opções.... Será que uma das crianças tinha reclamado dele? Impossível. Era tudo perfeito demais... Doralice encontrara a imperfeição na perfeição.

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