Ernesto nunca pisou em solo cubano, jamais comungou dos ideais socialistas da ilha, mas foi por causa de Cuba que aconteceu a grande revolução do seu casamento. Não exatamente por causa daquele pequeno país da América Central, mas por causa da bebida que leva o mesmo nome.
A tal Cuba Libre talvez seja a bebida mais contraditória que existe. Afinal leva o nome de um país que ficou marcado por ter adotado o regime socialista, sendo que é preparada com rum e Coca-Cola – uma das marcas do capitalismo. Talvez seja por isso que só mesmo a Cuba Libre foi capaz de libertar uma pessoa tão contraditória como a Carminha foi naquele dia.
Até aquele fatídico dia, Carminha se orgulhava de nunca ter bebido. Uma vez, vendo Ernesto tomar uma caipirinha resolveu provar.
- Vixe! É forte, né?
E desde então nunca mais ela fora visto sequer experimentando qualquer bebida.
Mas o casamento dos dois – que já durava oito anos – estava caindo na rotina. O único beijo que eles trocavam durante o dia era quando Ernesto saía para trabalhar. Quando voltava para casa, já de noite, ela estava ocupada demais fazendo as contas e gritando com o Claudinho, filho deles.
- Oi, amor! Boa noite! – falava Ernesto aproximando-se do rosto de Carminha. Quando os lábios estavam próximos de se tocar...
- Claudinho, menino! Desce do sofá agora!
Era mais uma tentativa frustrada de beijo!
- Olha, Ernesto! Esse menino tá cada dia mais impossível!
Algo precisava ser feito. Mas Ernesto, como a maior parte dos homens, não sabia o que fazer. Foi então que Carminha resolveu tomar a iniciativa.
Era uma sexta-feira 13. Logo cedo Carminha despachou Claudinho para a casa da irmã, com a proposta de suborno para a sobrinha cuidar do menino malino.
- Te dou R$ 50,00 e um vestido novo! - disse para a sobrinha que apenas sorriu feliz!
Ernesto chegou à casa, estranhou a meia-luz e as velas espalhadas pela sala.
- Boa noite, amor! Tá faltando energia?
- Não insensível. Preparei uma noite especial para nós! – E deu um beijo nele como há tempos não dava. Um BEIJO mesmo, maiúsculo, intenso, forte. Assustado, Ernesto perguntou:
- O que houve?
- Nada, cansei da nossa vida medíocre. Precisamos revolucionar!
- Como assim, Carminha?
- Ernesto, faça jus ao seu nome. Um revolucionário argentino! Vamos mudar tudo em nossa relação. Chega dessa história de fingimentos que nos acostumamos a viver. Basta de dizer que está tudo bem, quando na verdade nosso casamento não existe há tempos. Quero beijos quentes e molhados e não uma bitoquinha seca com gosto de pasta de dentes. Não quero mais visitar sua mãe todos os domingos. Quero um jantar a dois, só nós! Não quero fazer amor só na nossa cama, mas em todos os cômodos da casa. Quarto, sala, banheiro, cozinha, área de serviço, até na varanda!
- Na varanda? E os vizinhos? As pessoas vendo?
- Seria uma demonstração de amor e não um assassinato! Quem sabe as pessoas vendo aquilo, seriam mais amorosas e o mundo bem melhor.
- Que idéia é essa?
- Revolução, amor! Revolução!
- Carminha, você está bem?
- Estou ótima – e se aproximou mais uma vez dele, segurando o cabelo seu cabelo com força e se aproximando do pescoço suado dele!
- Você bebeu?
- Sim! Duas Cubas, só duas Cubas!
Estava explicado. Aquela não era a Carminha. Ou era? Afinal parece que quando a gente bebe, o ser oculto que mora em nós finalmente consegue se libertar. A bebida provoca a tal revolução que a Carminha tanto propalava! Falamos aquilo que sempre queremos, mas nos censuramos. Somos capazes de chorar copiosamente e rir sem vergonha alguma. O homem sério e educado pode se transformar num safado sem-vergonha com apenas duas caipirinhas. A mulher pura a recatada se transforma na amante quente e verdadeira – até demais!
E Ernesto estava vivendo aquilo na sua casa, tudo por causa de duas cubas!
- Vem cá! Vem cá! – Dizia a Carminha enquanto Ernesto já com a roupa toda rasgada e com os braços arranhados fugia dela.
- O que você pretende?
- Quero fazer a revolução! Venha, avante companheiro!
Não dava para ele! Aquela não era a Carmem! Era outra pessoa! Seu olhar era diferente, seus ideais não condiziam com a idéia de revolução. Sabia que o casamento precisava de mudanças, mas elas poderiam ser lentas e graduais e não através de uma revolução. Pobre, Ernesto! Pensava em uma estratégia de fuga enquanto se escondia debaixo da cama.
- Onde você está desertor? Não fuja. A revolução está por vir!
Aproveitando que ela foi servir mais uma dose, Ernesto fugiu de casa pela porta da área de serviço.
- Volta aqui! – Gritava Carmem da varanda, com os seios para fora e sempre com o copo de Cuba na mão. – Volta desertor! Hoje é a noite da revolução!
Não, definitivamente não era! Se mudanças eram necessárias, Ernesto, como bom republicano, acha que deveriam mandar primeiro um projeto de lei, negociar com os parlamentares e só então uma lei ser promulgada em que ficariam estabelecidas as regras das mudanças necessárias para que seu casamento continuasse. Nada de revolução!
O mais engraçado é que muitas vezes o tempero da revolução é o conflito "Só a gerra faz nosso amor em paz(Gilberto Gil e João Donato)". Rachel Araújo.
ResponderExcluirEita que o baixinho se supera a cada texto. Muito bom, de novo! Parabéns!
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