segunda-feira, 25 de abril de 2011

Uma simples caminhada

Até hoje ninguém entende o sumiço do Carlinhos. Bom marido, filho atencioso, profissional competente, era aquele sujeito que todo mundo considerava “gente boa”. Nunca faltava à missa aos domingos, cavalheiro daqueles de abrir a porta para suas companhias, sincero sem ser grosseiro, gentil, enfim o tal “genro que toda sogra sonha em ter”, o “filho perfeito”, “o homem ideal”. O grande erro de Carlinhos era justamente não ter defeitos – pelo menos não aparentemente.

Carlinhos jamais faltava as festas de família, nunca esquecia o aniversário dos amigos, do casamento, levava o filho para passear enquanto a esposa estava no salão tudo conforme reza o estatuto do bom homem. Ele jamais infringia regras, mas eis que um dia...

Não era nenhuma data especial. Não era aniversário de ninguém, nenhum membro da família ou amigo havia morrido ou nascido. Era um dia normal, como normal era a vida de Carlinhos. Dalva, sua esposa, nunca esquecera.

-Amor, vou caminhar um pouco!

Colocou um tênis, roupa leve, deu um beijo em sua cabeça e disse: “Até breve”.

Passou pela sala, acariciou a cabeça do filho que assistia a TV e saiu pela porta. Já era tarde! Muitas vezes acontecia de Carlinhos sair para caminhar na pracinha que ficava próxima à sua casa e ficar conversando e divertindo os amigos que lá encontrava. Por isso, a esposa não estranhou quando ele não voltou cedo. Carlinhos não era de fazer besteira.

Mesmo quando Dalva passou a mão no lado da cama e percebeu a não presença dele, ela estranhou. Era comum ele dormir na sala, pois não queria atrapalhar o sono da esposa que dormia profundamente àquela hora.

Somente pela manhã, quando percebeu que ele não fizera o café para o casal é que ela notou que algo estava errado.

- Amor?

Silêncio.

-Carlinhos? Onde você está? Tudo bem?

Silêncio.

- Você viu seu pai?

-Não. Ele nem foi me acordar hoje!

- Deve ter ido trabalhar mais cedo. Mas ele não comentou nada comigo...

Mais tarde, ela resolve ligar para o trabalho de Carlinhos e descobre que depois de 10 anos de dedicação à mesma empresa, sem nunca ter faltado ou chegado atrasado um dia sequer, ele não havia ido trabalhar.

E aí começaram as ligações. Casa da mãe, do melhor amigo, da avó que ele costumava visitar sempre, nada.

E mais ligações, desta vez para Polícia, Hospital, UTI, nada, nenhuma notícia...

Onde ele andaria? Com quem? Estaria morto ou finalmente teria despertado para a vida? Continuava em sua caminhada? Por que ele fizera isso? Perguntas eram muitas, respostas... nenhuma.

E assim se passaram: horas, dias, semanas, anos e anos sem notícia do Carlinhos.

Amigos mais próximos nunca souberam explicar direito o que acontecera. Alguns diziam que ele estava cansado da vida medíocre que sempre levara. Um dia finalmente ele resolvera ouvir o “capetinha”- aqueles de desenho animado que sempre estão próximos ao nosso ouvido – e deixar para trás aquela vida certinha demais, perfeita demais ...

De que adiantava abrir portas para os outros se na vida de quem ele realmente gostaria de entrar a porta estava sempre fechada? Pra que ser gentil, arrancar gargalhadas dos outros, se a vida nunca o fazia rir? O que importava estender sua mão  para tantas pessoas, se os outros só ofereciam socos? Carlinhos estava cansado... só podia ser!

A esposa jamais o esquecera e sempre perguntava: “Por quê?” Os amigos sentiam falta daquele camarada que sempre chegava com uma piada, um sorriso e sempre questionavam o que havia acontecido. Nos jantares da família, sempre havia aquele sentimento que Carlinhos apareceria da sua longa caminhada. O filho lembrava o pai atencioso e sempre ia caminhar na praça ao lado da casa na esperança de que um dia seus caminhos se cruzassem.

A longa caminhada de Carlinhos talvez não tivesse um fim, ninguém sabia o motivo nem o objetivo. Se a sua vontade era deixar de ser coadjuvante na história dos outros e passar a ser protagonista de sua própria história, finalmente ele teria conseguido. Toda grande jornada começa com um primeiro passo!

...

Passados alguns anos, Dalva preparava o jantar para seu neto que chegaria dali a alguns instantes. Seu filho, como sempre fazia aquela hora, estava na praça caminhando. E eis que o noticiário da noite anuncia a curiosa história de um homem que estava percorrendo o interior do Mato Grosso do Sul. Ninguém sabia exatamente quem ele era, mas já havia virado uma espécie de lenda por onde passava. A única coisa que diziam a seu respeito é que ele falava coisas bonitas e mensagens boas enquanto caminhava. Sempre gentil e com um sorriso no rosto, cumprimentava a todos e seguia caminhando.

Dalva parou em frente à TV para acompanhar a reportagem. Sentou calmamente e pensou: "Será?". O repórter contava, através de depoimentos das pessoas, a saga do homem que caminhava. No fim, eis que finalmente o repórter cruza o caminho dele. Câmeras posicionadas, microfones a postos...

- Cheguei, vovó, cheguei!

- Hã, sai da frente Carlos Neto!

- Não vovó, me dá um abraço!

- Sai da frente, a vovó quer ver a reportagem!

- Ah, não, vovó!

- Carlos Neto, me devolve esse controle...  Poxa, por que você desligou? Liga, por favor!

Quando a TV é ligada novamente, o jornalista está encerrando a reportagem com a imagem do homem de costas caminhando em direção ao Horizonte. Somente aquela cena e o som dos passos... Sempre caminhando, sempre em frente...

2 comentários:

  1. parabéns meu querido! vc continua escrevendo muito bem...vai longe,se organize pra um livro de contos,prometo q compro!!hehehe
    bjãoooo e saudades!

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