sexta-feira, 13 de setembro de 2013

História de amor macabra

São nas situações mais inusitadas e quando a gente menos espera que surgem as pessoas que mais mexem com o nosso coração. Não sou muito adepto aquela história: “Vou te apresentar uma amiga” ou “Rapaz, conheço uma garota que combina perfeitamente contigo”. Pra mim quando algo tem de acontecer, acontece, mesmo quando a gente menos espera. Tenho um amigo que encontrou o amor da vida dele após ter batido na traseira do carro dela. Ele saiu para reclamar dela ter freado bruscamente, mas quando a viu logo foi dizendo.
- Me perdoe, a culpa foi toda minha. Vamos acertar tudo!
E entre as conversas sobre o conserto do carro, ele acabou se oferecendo a dar-lhe carona todos os dias e assim estão indo juntos até hoje.
Mas essa história toda é pra contar o meu drama. Acreditei que tinha encontrado a mulher da minha vida em um cemitério. Há cinco anos eu estava no velório de um pai de um grande amigo quando de longe percebi uma moça próxima de onde um corpo estava sendo sepultado. Vestidinho básico preto (que deixava marcado a escultura que era o corpo abaixo dele), óculos escuros e um semblante triste que me encantou. Observei também que ela não usava aliança, portanto não era a viúva de quem estava sendo sepultado. Logo pensei em me aproximar e dizer algo que lhe trouxesse conforto, mas fiquei na minha. Se não soube dizer algo nem ao meu amigo naquela manhã, imagine para alguém desconhecido. Mesmo assim pensei em chegar junto com um diálogo do tipo:
- Pois é, né?
- Ah?
- Era uma pessoa tão boa!
- Esse daí? Já foi tarde!
Melhor evitar a possibilidade...
Fiquei imaginando uma forma de poder me aproximar, mas o pai do meu amigo, ou melhor, o corpo do pai do meu amigo, ia ser enterrado e eu precisava dar apoio à família. Para minha sorte, a cova “meu defunto” era ao lado da cova do defunto dela. Após os discursos e muitas lágrimas, resolvi me afastar um pouco da cerimônia do sepultamento e perguntar ao coveiro que ainda jogava um pouco de terra sobre a cova do conhecido da minha pretendente.
- E aí, meu irmão! Bom dia, tudo bem com o senhor?
- Mais ou menos, esse trabalho de enterrar os outros é meio complicado. A gente botando o cara no buraco, a família chorando, de vez em quando uma pessoa grita dizendo que quer ir junto, mas vamos lá... É a vida! Mas o que o senhor quer? Ninguém fala com coveiro!
- O companheiro por acaso sabe quem é esse daí que o senhor tá em cima?
- Rapaz, é um tal de Júlio Ribeiro Castro. Dizem que era um empresário. O senhor viu a quantidade de gente que tinha no enterro?
- Vi sim e como vi. Tenha um bom dia!
Saí dali certo de que iria começar uma busca para saber quem era o tal de Júlio Ribeiro Castro. Se era casado, se tinha filhos (ou filhas), vasculhei qualquer informação que pudesse me levar àquela garota. Descobri então que a família Ribeiro Castro era originária daqui, mas que fizera fama e fortuna no comércio do Acre. O tal de Júlio era um dos mais velhos e fundou a “Durma Bem” Indústria de Colchões. Casou-se em Rio Branco, com uma acreana chamada Flora, mas sempre que podia, vinha à Fortaleza visitar seus amigos. Aos mais próximos já tinha manifestado o desejo de ser enterrado em sua terra natal. Por ironia do destino, morrera enquanto dormia, talvez em cima de um dos tantos colchões que ajudou a fabricar.
Dizem que Seu Júlio entrou no ramo dos colchões não porque gostava de dormir, mas porque adorava fazer outra coisa em cima deles. Com isso, ele teve vários herdeiros, alguns fora do casamento. Eu acreditava que a minha pretendente deveria ser uma delas. Passei a acompanhar o obituário dos jornais de Rio Branco todas as manhãs, pois se havia uma possibilidade de eu encontrá-la de novo, com quase toda certeza, era no enterro de algum parente. Nunca torci tanto, que Deus me perdoe, pela morte de uma pessoa.
Houve uma época em que a Dona Flora esteve muito mal de saúde, os médicos chegaram a desenganá-la, mas em uma recuperação que surpreendeu a todos – e entristeceu a mim – ela reassumiu os negócios da família. Até pensei em contratar alguém que pudesse fazer algo contra aquela família, mas achei que a insanidade de fazer isso era maior que a obsessão que eu tinha para encontrar a tal Ribeiro Castro.
Mas ontem pela manhã, uma notícia me pegou de surpresa. “Nota de falecimento: a família Ribeiro de Castro convida a todos para o sepultamento da estimada Olga. Foram momentos inesquecíveis que vivemos ao seu lado”. Pronto, era a oportunidade que eu tanto esperei por cinco anos. Mas como eu poderia atravessar praticamente todo o país a tempo de chegar para o velório e o enterro?
Gastei até o que não tinha para estar hoje pela manhã em Rio Branco. Inventei uma desculpa no trabalho, falei com meus amigos que estava indo em busca de uma aventura que podia até ser macabra, mas eu tinha certeza que ela era a mulher da minha vida. Foram quase 5 mil quilômetros, doze horas de viagem, com escalas e conexões para tentar chegar ao cemitério a tempo de encontrar a minha amada.
Parecia um maluco, chegando ao cemitério e perguntando onde a Olga estava sendo enterrada. Corri feito um louco, pulando lápides, derrubando flores e passando por famílias que choravam por seus parentes. Foi quando vi de longe as mesmas pessoas que estavam no cemitério há cinco anos.
- Só pode ser ali, pensei eu!
E era. Meus olhos buscavam aquele rosto, o tal vestidinho preto básico, mas nada de eu encontrá-la. Observei bem todos os presentes e não a encontrei. Foi quando pensei: Será?
- Moça, desculpa a pergunta, mas quem é essa daí que está sendo enterrada?
- É o Olga, filha mais velha do Seu Júlio. Moça jovem, bonita e inteligente. Morreu igual ao pai. Dizem que é um problema genético no coração.
- A senhora tem uma foto dela?
- Claro! – e mostrou a foto – Você a conhece?
- Não, mas queria tê-la conhecido.
Era a minha Olga que tinha falecido. Lembram que eu disse que tinha encontrado a mulher da minha vida no cemitério? Pois é. Encontrei mesmo!
Pior foi o papelão que ainda fiz no enterro tentando me jogar na cova enquanto um pobre coveiro dizia:
- Calma, senhor! Calma!


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