Se existe algo que mantém o cérebro colado ao crânio, eu tenho certeza que em mim este “algo” está com a data de validade vencida. Que dor de cabeça é essa! Tento levantar e parece que havia algo solto dentro dela. Ai como dói!
Mas, não há nada tão ruim que não possa piorar. Onde é que estou? Como vim parar aqui? Não me lembro de ter colocado espelho no teto do meu quarto... Muito menos este aparelho de ar-condicionado... Espera, quem é essa pessoa do meu lado?
Calma, muita calma! Deixa eu pensar... Ai! Mas como vou conseguir raciocinar algo com meu cérebro descolado? O jeito é agir! Ela tá se mexendo...
- Bom dia!
- Bom dia! Ah? Onde é que estou? Quem é você?
- Não se preocupe! Acabei de fazer as mesmas perguntas, só esperava que você as respondesse.
- Ora como não me preocupar: estou deitada nua em uma cama, num lugar que não sei e com um cara que não conheço.
- Não, mas com certeza a gente se conhece! Caso contrário não teríamos parado aqui, né?
- Sei lá! Não sei de nada! Peraí, você colocou alguma coisa na minha bebida. É isso! Está tudo explicado!
- Tá maluca? Como assim: “colocou algo na minha bebida”? Não lembro sequer de ter bebido.
- Nem eu... E agora?
- Agora façamos o seguinte. Vamos nos vestir e tentar descobrir o que aconteceu. Refazer passo a passo.
- Isso mesmo! Boa idéia! Vá lá!
- Pra onde?
- Ora, se vestir!
- Tá doido? Vou bem deixar você me ver pelada!
- Mas estamos os dois debaixo deste lençol, nus, já devemos ter feito coisa muito pior (ou melhor)...
- Sim, podemos! Mas você não lembra. Definitivamente não vou sair debaixo deste lençol!
- Tá bom! Continuemos aqui! Vamos lá! Qual a última coisa que você lembra?
- Hum... Deixa eu ver! Estava em um bloco de Carnaval, quando um cara chegou pra mim e disse: quero descobrir a princesa que está por trás desta máscara!
- E você?
- Tirei a máscara e ele disse: “Meu Deus! Não é uma princesa é a bruxa!” . Saiu correndo e rindo! Além de me dar uma cantada barata, ainda me xinga.
- Realmente...
- Como assim, “realmente”? Você me acha uma bruxa?
- Não, tô falado da cantada!
- Ah, bom!
- Você é muito bonita! Mesmo descabelada, acordando, com o rosto meio amassadinho... Uma princesa! Besta foi ele!
- Você acha?
- Claro, mas isto não nos coloca aqui!
- Claro que sim!
- Como? Não lembro absolutamente nada. E essa história que você contou, o cara não era eu.
- Mas não fosse ele, eu jamais teria recebido um elogio tão carinhoso assim logo de manhã. Acho que foi o destino que nos colocou aqui.
- Aham... Sei...
- Quer saber de uma coisa: pouco importa como viemos parar aqui. Pra mim interessa é que agora estou aqui com você. Por sinal, prazer sou a Letícia!
- Ah, beleza! Sou o ...
- Não me interessa quem você é! E mais, já que não lembramos do que fizemos, vou fazer algo para você nunca mais me esquecer.
- Tem certeza?
- Qual sua fantasia?
- Vem cá que eu te conto...
sábado, 25 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
704
-Não fala nada e me beija!
Dificilmente minha campainha toca. Somente quando recebo as raras visitas da minha irmã - pois o meu sobrinho acha legal o barulho que faz - , ou quando algum vizinho vem pedir algo emprestado.
- Você teria um pouquinho de açúcar para me emprestar? Esqueci de comprar. – pediu um dia desses um vizinho que jamais havia me dado um "bom dia".
Fiquei feliz em adoçar a vida dele.
Mas voltemos. Tomei um susto. Sempre a achei muito bonita, atraente, era fácil perceber quando ela ia trabalhar pelo cheiro do seu perfume inconfundível que tomava conta do corredor. O sorriso sempre foi tímido e avassalador, daqueles que se recebidos de manhã cedo levam consigo todo o mau humor matinal.
Dia desses, o silêncio ensurdecedor da madrugada foi quebrado por um choro contido de alguém perguntando:
- Por quê? Só me diz o motivo?
Não sei o que havia acontecido, mas era a voz dela. A mesma voz cujos barulhos estranhos ditos em uma noite de amor eu já ouvira.
- Não para, não para!
Parei! E imaginei como seria...
Por isso quando a campainha tocou naquele dia, no momento em que a vi na minha porta, realmente fiquei assustado.
- Oi!
- Não fala nada e me beija!
- Como assim?
- Só me beija!
Me puxou pela cintura, mão postada na minha nuca e o lábio doce e quente tocou o meu.
Fiquei atordoado com o ataque. Era meio de semana, preparava o meu almoço, enquanto o rádio sintonizado em um noticiário da AM me trazia as principais notícias do dia. Acho que foi a primeira vez que tive uma experiência sexual ouvindo notícia.
Após o beijo na porta de casa, o empurrão pra dentro. Porta fechada com o calcanhar e a sentença repetida.
- Não fala nada. Só me beija!
Depois que recobramos a consciência. Roupas espalhadas por todos os cômodos da casa, ela deitada com a cabeça sobre o meu peito, com os dedos passeando suavemente sobre meu ombro e rosto, até que...
- Seu arroz!
- É a primeira vez que alguém me chama assim!
- Não é isso! O seu arroz que estava cozinhando, tá sentindo o cheiro de queimado?
- Putz, esqueci!
Saí do quarto enrolado no lençol para desligar o fogão. Não só o arroz como todo o resto ia virar lixo.
Fui rápido, mas quando retornei ao quarto ela já estava de pé.
- Preciso ir!
- Como assim?
- Não me pergunte nada. Deixa eu ir!
- Me diz pelo menos o teu nome.
- 704.
- Hã?
- Moro no 704. Este é o meu nome pra você!
Vestiu-se, agradeceu e foi embora com a mesma frase.
- Não fala nada e me beija!
Não entendi! E até agora nem sei se quero entender. Só sei que a campainha nunca mais tocou do mesmo jeito. Não nos cruzamos mais no corredor e dia desses vi uma placa de “vende-se” em frente ao prédio. Assustado, perguntei ao porteiro.
- Quem está vendendo o apartamento?
- Rapaz, é aquela gostosona do 704.
- Hum, sei!
Não apareceu, não nos falamos mais, a única certeza era a dúvida. Mas, espera... A campainha tá tocando...
- Bom dia! O senhor poderia me emprestar o ferro de engomar?
Dificilmente minha campainha toca. Somente quando recebo as raras visitas da minha irmã - pois o meu sobrinho acha legal o barulho que faz - , ou quando algum vizinho vem pedir algo emprestado.
- Você teria um pouquinho de açúcar para me emprestar? Esqueci de comprar. – pediu um dia desses um vizinho que jamais havia me dado um "bom dia".
Fiquei feliz em adoçar a vida dele.
Mas voltemos. Tomei um susto. Sempre a achei muito bonita, atraente, era fácil perceber quando ela ia trabalhar pelo cheiro do seu perfume inconfundível que tomava conta do corredor. O sorriso sempre foi tímido e avassalador, daqueles que se recebidos de manhã cedo levam consigo todo o mau humor matinal.
Dia desses, o silêncio ensurdecedor da madrugada foi quebrado por um choro contido de alguém perguntando:
- Por quê? Só me diz o motivo?
Não sei o que havia acontecido, mas era a voz dela. A mesma voz cujos barulhos estranhos ditos em uma noite de amor eu já ouvira.
- Não para, não para!
Parei! E imaginei como seria...
Por isso quando a campainha tocou naquele dia, no momento em que a vi na minha porta, realmente fiquei assustado.
- Oi!
- Não fala nada e me beija!
- Como assim?
- Só me beija!
Me puxou pela cintura, mão postada na minha nuca e o lábio doce e quente tocou o meu.
Fiquei atordoado com o ataque. Era meio de semana, preparava o meu almoço, enquanto o rádio sintonizado em um noticiário da AM me trazia as principais notícias do dia. Acho que foi a primeira vez que tive uma experiência sexual ouvindo notícia.
Após o beijo na porta de casa, o empurrão pra dentro. Porta fechada com o calcanhar e a sentença repetida.
- Não fala nada. Só me beija!
Depois que recobramos a consciência. Roupas espalhadas por todos os cômodos da casa, ela deitada com a cabeça sobre o meu peito, com os dedos passeando suavemente sobre meu ombro e rosto, até que...
- Seu arroz!
- É a primeira vez que alguém me chama assim!
- Não é isso! O seu arroz que estava cozinhando, tá sentindo o cheiro de queimado?
- Putz, esqueci!
Saí do quarto enrolado no lençol para desligar o fogão. Não só o arroz como todo o resto ia virar lixo.
Fui rápido, mas quando retornei ao quarto ela já estava de pé.
- Preciso ir!
- Como assim?
- Não me pergunte nada. Deixa eu ir!
- Me diz pelo menos o teu nome.
- 704.
- Hã?
- Moro no 704. Este é o meu nome pra você!
Vestiu-se, agradeceu e foi embora com a mesma frase.
- Não fala nada e me beija!
Não entendi! E até agora nem sei se quero entender. Só sei que a campainha nunca mais tocou do mesmo jeito. Não nos cruzamos mais no corredor e dia desses vi uma placa de “vende-se” em frente ao prédio. Assustado, perguntei ao porteiro.
- Quem está vendendo o apartamento?
- Rapaz, é aquela gostosona do 704.
- Hum, sei!
Não apareceu, não nos falamos mais, a única certeza era a dúvida. Mas, espera... A campainha tá tocando...
- Bom dia! O senhor poderia me emprestar o ferro de engomar?
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