sexta-feira, 24 de maio de 2013

Turbulências

Nunca gostei muito de viajar, apesar de adorar conhecer lugares e, principalmente, gente nova. O que me incomoda é a viagem. O avião é tenso, o ônibus é cansativo e o carro é entediante. Para mim, uma das maiores invenções da humanidade seria a máquina de teletransporte: apertar um botão aqui e chegar, num piscar de olhos, no outro lugar. Mas enquanto isto não acontece, continuamos nos meios de transporte convencionais.
Toda vez que viajo penso logo em quem vai sentar ao meu lado. Será uma moça bonita (esta é sempre a minha primeira opção)? Um cara que dorme a viagem inteira e nem sequer dá um “boa tarde”? Uma mulher com bebê de colo? Uma pessoa acima do peso que toma todo o assento dela e uma parte significativa (geralmente o apoio do braço) do meu?
O momento de sentar e esperar quem vai ficar ao meu lado é muitas vezes mais tenso que  uma decolagem no meio de um temporal.
- 21B?
A pessoa tem escrito na passagem, tá registrado acima do assento e ainda pergunta?
- Assento 21B?
Putz e ainda insiste. Levantei a cabeça e fiquei mudo. Mas não de raiva, era contemplação. Uma jovem linda, ruiva, cabelos soltos, estilo intelectual e parecida com uma executiva (percebia-se pela roupa que usava). Perfeita (tomara que não tenha pensado alto).
- Desculpa insistir, mas este é um assento 21B?
- Humrum  (como é que se responde desse jeito?).
- Obrigada.
E agora? A mulher perfeita estava ali do meu lado. Como agir? Como começar uma conversa em um avião? Eu estava preparado psicologicamente pra um gordo e não para aquela situação.  Instruções dadas, balinhas de caramelo distribuídas, “atenção tripulação decolagem autorizada” e ...
- Posso segurar a tua mão?
- Ah? (Como é que eu não desenvolvo uma conversa?)
- É que tenho medo da decolagem.
- Claro, sem problema. Eu também estou um pouco tenso.
- É. Tem medo de viajar de avião?
- Não. Estava tenso por outro motivo.
- Ai meu Deus!
- Que foi?
- Esta é a pior parte: quando o avião acelera e se prepara pra deixar o solo.
- Fique tranquila. (E dei uma apertadinha mais forte na mão dela para ela sentir segurança).
Ela cerrou os olhos, apertou bem forte a minha mão e decolamos.
- Moça, já pode abrir os olhos.
- Por quê? A gente já chegou?
- Não. A gente tá longe ainda.
- Você se incomoda de eu ficar segurando a tua mão? Sinto-me mais segura. Sei que não adianta nada na prática, pois se o avião estiver com algum problema, você não vai poder fazer nada, mas me sinto melhor assim.
- Sem problema. Tem certeza que quer só segurar a mão?
- Como assim?
- Encosta a cabeça no meu ombro e tenta dormir um pouco.
- Não, não!
Será que tinha sido atirado demais?
- Tá bom, então fiquemos só assim.
E conversamos muito sobre nossas vidas, medos, angústias, sonhos - só fomos interrompidos pela aeromoça que insistia em oferecer pão gelado com mortadela fria e refrigerante quente -  e  ela sempre segurando a minha mão. O voo durou duas horas.
- Pra mim, pousar é pior que decolar.
- Não se preocupe. Pode continuar segurando a minha mão.
- Obrigada, você é muito gentil. – falou soltando um lindo sorriso pra mim.
Mão apertada, avião em solo e era hora de arriscar um voo mais alto naquela relação. Foi quando percebi que o céu para mim não era tão de brigadeiro. Quando ela soltou a minha mão, vi uma aliança em seu dedo.
- Muito obrigada mesmo. Foi um dos voos mais tranquilos que já fiz na vida.
- Pra mim também. Pena que a vida continue ainda cheia de turbulências.

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